Ação Popular (esquerda cristã) – Wikipédia, a enciclopédia livre

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A Ação Popular (AP) foi uma organização política de esquerda extraparlamentar, criada em junho de 1962, a partir de um congresso em Belo Horizonte, resultado da atuação dos militantes estudantis da Juventude Universitária Católica (JUC) e de outras agremiações da Ação Católica Brasileira. A partir de seu segundo congresso, realizado em Salvador, em 1963, a AP decidiu-se pelo "socialismo humanista", buscando inspiração ideológica em Emmanuel Mounier, nos jesuítas Teilhard de Chardin e Henrique Cláudio de Lima Vaz,[1] Jacques Maritain e no dominicano Louis-Joseph Lebret. Teve uma vertente protestante, quadros oriundos do Movimento Estudantil Cristão, dentre esses, merecendo especial destaque: Paulo Stuart Wright.[2]

Foi composta principalmente de lideranças estudantis dentre as quais se destacaram Herbert José de Souza (Betinho) (coordenador entre 1963 e 1965), Jair Ferreira de Sá, José Serra, Vinícius Caldeira Brant, Aldo Arantes (coordenador a partir de 1965), Haroldo Lima e Duarte Brasil Lago Pacheco Pereira,[3] entre outros, contando ainda com a participação de lideranças camponesas e operárias.

O surgimento da AP decorreu de um processso de politização da JUC, iniciado entre 1959 e 1960.

Apesar de não contar com um número muito grande de militantes, a JUC era, assim como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), uma força estudantil das mais organizadas.

Até 1959, a JUC desenvolvia uma atividade de caráter mais acentuadamente religioso e interno, estando o interesse pelos problemas políticos em segundo plano, no entanto, a partir daquele ano, voltou-se preferencialmente para as questões políticas e sociais.

Em 1960, alguns de seus militantes chegaram à presidência e a outros cargos de direção da União Nacional dos Estudantes (UNE). A partir de então, formou-se uma aliança com as forças da esquerda, que incluía o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e passou a ser hegemônica no movimento estudantil.

Isso provocou uma violenta reação dentro e fora do meio universitário. A JUC passou então a ser denunciada como uma organização comunista, sob uma fachada católica. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), então, viu-se na obrigação de intervir, e, no final de 1961, proibiu aos jucistas de ocuparem cargos de responsabilidade dentro das organizações do movimento estudantil universitário.[4]

Diante da proibição, os membros mais politizados e influentes da JUC decidiram fundar um movimento novo, de caráter político-ideológico. Por isso, em 1962, nasceu a AP, da qual participavam também integrantes da Juventude Estudantil Católica (JEC). A organização passava, desta forma, a representar a esquerda católica dentro do movimento estudantil. A princípio, a AP defendia uma ideologia própria, buscando diferenciá-la do marxismo, o que não a impediu de assumir-se como um movimento revolucionário, cujo objetivo era formar quadros capazes de participar de uma transformação radical da sociedade.[5]

O documento aprovado no I Congresso da AP, de 1963, não fazia qualquer referência expressa ao cristianismo. Por outro lado, as ideias marxistas mesclavam-se à inspiração cristã no documento,[6] que adotava a "perspectiva do socialismo como humanismo, enquanto crítica da alienação capitalista e movimento real da sua superação".[7]

No final de 1963, preocupada com a presença de integrantes da JEC e da JUC na AP, a cúpula da Igreja Católica no Brasil emitiu um novo documento no qual declarou que a AP tinha uma orientação naturalista e não representava “o pensamento cristão autêntico”, razão pela qual era inadequada a presença de integrantes da JEC em suas fileiras, mas possível a presença de integrantes da JUC, desde que:

  1. fossem pessoas com vocação para atividades dessa natureza e com sólida formação cristã; e
  2. atuassem para que a AP tivesse uma linha cristã autêntica.[1][8]

A AP manteve a hegemonia no movimento estudantil, elegendo todos os presidentes da UNE, até pelo menos o golpe militar de 1964. Antes de 1964, circulava seu periódico Brasil Urgente, fundado por Frei Carlos Josaphat. Nesse período atuava em favor das Reformas de Base.[7] Após o golpe militar, a organização teve seus principais quadros jogados na clandestinidade ou exilados. Esse contexto contribuiu para a radicalização da organização e o afastamento de suas bases identificadas com o cristianismo.[1]

Em 1965, foi adotada uma Resolução que formulou abertamente o objetivo de conquistar o poder pela via insurrecional, por meio da estratégia da Revolução Socialista da Libertação Nacional.[1] Nesse momento Aldo Arantes passou a ser o novo Coordenador Geral em substituição a Betinho que tinha sido eleito em 1963. A AP passou a publicar um novo jornal mensal chamado "Revolução" que era impresso por meio de mimeógrafo. Em 1966, a AP voltou a ser a força hegemônica na União Nacional dos Estudantes[7] cujo presidente passou a ser José Luiz Moreira Guedes, eleito no XXVIII Congresso da UNE, realizado em julho em Belo Horizonte.[9]

Fora da esfera universitária, a AP desenvolveu atividades nos domínios da alfabetização de adultos, da cultura, do sindicalismo urbano e rural.[10]

Atentado do Aeroporto dos Guararapes

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Em 25 de julho de 1966, um comando autonômo de militantes da organização supostamente executou o atentado do Aeroporto dos Guararapes, em Recife, que tinha como alvo o General Costa e Silva, então Ministro da Guerra escolhido pelos militares para ser o próximo Presidente da República. O atentado teve duas vítimas fatais: o Secretário de Governo de Pernambuco na época, Edson Régis de Carvalho, e o almirante da reserva Nelson Gomes Fernandes, e mais 15 feridos.[11][12][7]

O resultado dessa ação no interior da AP foi a dissolução imediata dos comandos armados paralelos. A Direção Nacional que não tomara conhecimento prévio do atentado, condenou a ação. Nesse contexto, no seio da organização ganhou força o questionamento do "foquismo" e da prática de ações armadas urbanas, também houve um reexame da aproximação com Cuba, o que fortaleceu os defensores da estratégia da "guerra popular prolongada". Os autores do atentado foram internamente condenados a uma "reeducação ideológica". Internamente, o principal resultado do atentado foi o de afastar a organização de ações armadas urbanas.[7]

Em dezembro de 2013, a versão pernambucana da Comissão Nacional da Verdade oficializou a inocência do ex-deputado federal Ricardo Zaratinni, que, durante décadas, foi acusado de ter sido um dos responsáveis pelo atentado à bomba que matou duas pessoas em 1966, no Aeroporto dos Guararapes, no Recife. Foi também inocentado o professor Edinaldo Miranda, falecido em 1997. Os documentos que comprovam a inocência dos dois foram coletados em unidades militares de Pernambuco, segundo informou o diretor-executivo da comissão, Fernando de Vasconcelos Coelho.[13] Na mesma ocasião, foi feito um novo atestado de óbito do líder estudantil Odijas Carvalho, torturado e morto pelos militares em 1971. A versão anterior da morte de Odijas atestava que ele teve uma embolia pulmonar. Na mesma ocasião, o então governador de Pernambuco Eduardo Campos comentou sobre a possibilidade de os militares terem sido os responsáveis pelo atentado. Esta seria uma desconfiança antiga dos adversários do regime, que, segundo Eduardo Campos, teria sido “um episódio utilizado para dividir a resistência ao golpe”.

Maoísmo vs. foquismo

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Sob influência da revolução chinesa, após a volta de quadros seus da China, a AP adotou uma linha de proletarização de seus membros, que consistia na colocação de militantes nas fábricas e em estreita ligação com os camponeses. Ao mesmo tempo, a organização assumia os elementos essenciais da estratégia maoísta: priorização do trabalho junto ao campesinato e a necessidade de preparar a guerra popular prolongada, tendo nas regiões rurais o seu cenário fundamental. Militantes foram deslocados para áreas operárias, como o ABC paulista, ou agrícolas, como a zona canavieira de Pernambuco, a região cacaueira da Bahia , a área de Pariconha e Água Branca, em Alagoas, e o Vale do Pindaré, no Maranhão. Levando em consideração as origens cristãs da AP, alguns estudiosos associam esse processo de proletarização à experiência dos padres operários na França e traçam paralelos entre o maoismo e os valores cristãos.[7]

Nesse contexto, teve início uma luta interna dentro da organização na qual a corrente de inspiração maoísta, liderada por Jair Ferreira de Sá, redator do "Esquema dos Seis Pontos", defendia a estratégia da "guerra popular prolongada", enquanto a outra, liderada por Vinícius Caldeira Brant e Altino Dantas, defendia a formação de focos guerrilheiros.[14] Essa luta interna resultou, em 1968, na formação de um grupo dissidente: o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), liderado pelo Padre Alípio de Freitas, por Vinícius Caldeira Brant e Altino Dantas.[15] Posteriormente, o PRT se aproximou da POLOP e do MR-8. Em 1980, vários ex-integrantes do PRT se envolveram diretamente na criação do Partido dos Trabalhadores (PT).

O processo de proletarização de militantes de origem pequeno-burguesa os deslocou de seu círculo social e trouxe desestruturação social e psicológica de muitos deles, razão pela qual a experiência foi abandonada a partir de 1970.[7]

Incorporação ao PC do B vs. APML

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A partir de 1971, ocorreu novo "racha" na AP, formando-se duas facções que passaram a reivindicar, ao mesmo tempo, o nome de "Ação Popular Marxista Leninista" (APML): um grupo maior, liderado por Duarte Pereira, Haroldo Lima, Aldo Arantes e José Renato Rabelo, mais próximo ao PC do B e que acabaria se incorporando a ele, e um outro menor, liderado por Jair Ferreira de Sá, Paulo Wright e Manoel da Conceição, que era a outra fração da APML, também conhecida como "AP Socialista" ou "Refazendo".[16][17][7]

Com base em seu Programa Básico, a APML propôs ao PC do B e a outras organizações de inspiração leninista a conjugação de esforços para a formação de um partido proletário. O PC do B não aceitou, considerando o Programa Básico da APML "excessivamente trotskista", e reagiu sobretudo à pretensão de formação de um único partido do proletariado - que já seria o próprio PC do B. Afinal a APML cedeu, aceitando o PC do B como único partido revolucionário e adotando as suas linhas doutrinárias: o stalinismo irrestrito, que se tornou o universo ideológico comum de ambas organizações, e a caracterização da sociedade brasileira e da revolução brasileira. A fusão se concretizou em maio de 1973, metade dos integrantes do novo Comitê Central do PC do B, passou a seu de militantes que vieram da APML.[18]

Após a fusão do grupo maior da APML com o PC do B, a fraão minoritária da APML, vivendo ainda os efeitos de uma profunda crise político-ideológica, foi praticamente desarticulada pela brutal repressão desencadeada pela infiltração do ex-militante Gilberto Prata Soares, que levou às mortes de José Carlos da Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda, e aos desaparecimentos de Paulo Stuart Wright, Honestino Guimarães, Humberto Câmara Neto, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira e Eduardo Collier Filho, além da prisão de militantes e simpatizantes em vários estados do país, entre 1972 e 1974. Essa fração da APML duraria até o início da década de 1980, quando se auto-dissolveu. Muitos dos integrantes dessa fração se juntaram às forças que construíram o Partido dos Trabalhadores, onde se reencontraram com outros militantes dos setores progressistas da Igreja católica, cujas origens também remontavam à JUC, e com os quais nunca tinham perdido o contato.[7]

Repercussões atuais

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Alguns membros da AP anterior a 1964 chegaram, nos últimos anos, a posições de destaque na política brasileira, a exemplo de Plínio de Arruda Sampaio,[19] José Serra[20] e Cristóvam Buarque.[21] No mundo intelectual e religioso, destaca-se Luiz Alberto Gómez de Souza[22]

Parte do arquivo histórico da organização encontra-se disponível para pesquisa no Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo.

Alguns autores, apontam a etapa de atuação da AP anterior ao golpe de 1964, como precursora da Teologia da Libertação.[1]

O escritor belga Conrad Detrez era membro da Ação Popular.

Referências

  1. a b c d e A Ação Popular na história do catolicismo, acesso em 10 de março de 2016.
  2. Protestantes e o governo militar: convergências e divergências. Por Elizete da Silva. In ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (0rg.). Ditadura Militar na Bahia, v. I. Salvador: EDUFBA, 2009.
  3. “Minha perna é minha classe”, por Otto Filgueiras.
  4. Trata-se de um documento de orientação às atividades da JUC que tinha os seguintes termos:
    1. Não é lícito apontar a cristão o socialismo como solução de problemas econômico-sociais e políticos, nem muito menos apontá-lo como solução única;
    2. Não é lícito admitir-se que ao se formular a figura de uma Revolução Brasileira – em assembleias ou círculos de estudos da JUC, se afirme doutrina de violência, como válida e aceitável;
    Além disso, o referido documento decretva que: "A começar do ano de 1962, nenhum dirigente jucista poderá concorrer a cargos eletivos em organismos de política estudantil, nacional ou internacionais, sem deixar os seus postos de direção da JUC. O mesmo se diga, como é evidente, quando se trata de participação ativa em partidos políticos." Cf. A Ação Popular na história do catolicismo, acesso em 10 de março de 2016.
  5. PUC-SP. CEDIC. Ação Popular
  6. Segundo um dos estudiosos da AP, apesar da organização proclamar-se não-confessional, (em sua origem) apresentava “uma marca inconfundível de humanismo cristão e uma visão utópica de transformação de mundo”. Cf. A Ação Popular na história do catolicismo, acesso em 10 de março de 2016.
  7. a b c d e f g h i O romantismo revolucionário da Ação Popular: do cristianismo ao maoísmo, acesso em 09 de março de 2016.
  8. Essa possibilidade de atuação decorre da publicação da Encíclica Pacem in terris, em 1963, pelo Papa João XXIII, que enfocava, de forma pragmática, a possibilidade de colaboração entre católicos e não-cristãos no seio dos movimentos, com vistas à promoção do bem comum. Para tal, estabeleceu uma distinção entre doutrinas e movimentos, que permitia colaboração em torno de objetivos práticos, sem compromissos quanto aos fundamentos Cf. A Ação Popular na história do catolicismo, acesso em 10 de março de 2016.
  9. Filgueiras, Otto (2014). Revolucionários Sem Rosto - uma história da Ação Popular. São Paulo: ICP - Instituto Caio Prado Jr. p. 315. ISBN 978-85-66538-04-5 
  10. Veja Luiz Alberto Gómez de Souza, Um andarilho entre duas fidelidades: religião e sociedade, Rio de Janeiro: Ponteiro/Educam, 2015
  11. Lucili Grangeiro Cortez. O drama barroco dos exilados do nordeste. [S.l.]: Editora da Universidade Federal do Ceará (UFC). p. 152 
  12. Letícia Lins (13 de fevereiro de 2014). «Filho de vítima de atentado em Recife questiona trabalho da Comissão da Verdade de PE». O Globo. Consultado em 4 de maio de 2015 
  13. «Comissão da Verdade em PE inocenta acusados de bomba em aeroporto». Valor. 10 de dezembro de 2013. Consultado em 4 de abril de 2015 
  14. Ação Popular e a esquerda católica: um resgate. Entrevista especial com Fábio Pires Gavião, acesso em 08 de março de 2016.
  15. Entre o rosário e as armas: a Ação Popular e a questão da luta armada no Brasil (1965-1968). Por Alessandra Ciambarella Paulon. ANPUH – XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina, 2005.
  16. XIX BRASA Congress, 27-29 March 2008. Tulane University, New Orleans. A trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT. Por Vitor Amorim de Angelo, p. 3
  17. «Organizações de esquerda. APML - Ação Popular Marxista-Leninista». Desaparecidospoliticos.org.br 
  18. «Da Cruz à Estrela: A Trajetória da Ação Popular Marxista-Leninista». Cedema. Consultado em 26 de setembro de 2020 
  19. Morre em São Paulo o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio. Rede Brasil Atual, 8 de julho de 2014.
  20. Livro sobre a Ação Popular aborda passado marxista e revolucionário de Serra. Revista Fórum, 4 de novembro de 2010.
  21. Um pouco da trajetória de Cristovam Buarque
  22. autor do livro "Um andarilho entre duas fidelidades: religião e sociedade", Rio de Janeiro: Ponteio & Educam, 2015, ISBN 978-85-64116-87-0

Ligações externas

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