Carlos Bandeirense Mirandópolis – Wikipédia, a enciclopédia livre

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Carlos Bandeirense Mirandópolis foi um artigo falso da Wikipédia em português. A página foi criada em 2010 por dois advogados que queriam enganar um estagiário, mas acabou por ser citado em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), no documentário Diretas Já, e em um trabalho acadêmico de graduação. O artigo afirmava que Mirandópolis seria um jurista e professor brasileiro, que teria conhecido o compositor Chico Buarque, e participado das Diretas Já. A página foi eliminada em 2016, após uma reportagem publicada no G1 e exibida no canal televisivo GloboNews. O caso foi citado por professores como razão para tomar cuidado com as informações encontradas na Internet.

O artigo de Carlos Bandeirense Mirandópolis foi criado na Wikipédia em português em 16 de agosto de 2010 por dois advogados, Victor Nóbrega Luccas e Daniel Tavela Luís. Percebendo que era comum estagiários retirarem informações da Internet sem checagem, criaram o artigo para pregar uma peça em um deles. Eles pediram para que o estagiário fizesse uma pesquisa sobre a teoria da "Oferta Pública de Associação", que não existe. Para dar maior credibilidade à história, criaram o perfil de Mirandópolis, que seria o autor da tese.[1] O artigo afirmava que Mirandópolis era jurista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Teria sido perseguido durante a ditadura militar brasileira e se exilado em Paris. Lá, teria conhecido o compositor Chico Buarque e inspirado sua composição "Samba de Orly". Depois, Mirandópolis teria retornado ao Brasil e atuado ativamente nas Diretas Já. O artigo continha uma foto que supostamente era de Mirandópolis, mas na realidade era do prefeito de Viena Michael Häupl.[1]

Enquanto o boato não havia sido revelado, Mirandópolis foi citado como se realmente existisse no voto de uma desembargadora em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), no documentário Diretas Já, e em um trabalho acadêmico de graduação.[1]

Revelação do boato

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O boato foi revelado em 23 de fevereiro de 2016, através de uma reportagem publicada no G1 e exibida no canal televisivo GloboNews. A matéria procurou a PUC-SP, que disse nunca ter tido um professor com aquele nome, e também a assessoria de Chico Buarque, que disse não conhecer Mirandópolis. Além disso, procurou o TJ-RJ, que disse que a menção feita pela desembargadora teve como fontes a página do núcleo de memória da PUC do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e o filme Diretas Já.[1] Porém, a PUC-RJ disse que a informação não constava em seu site.[2] A matéria do G1 foi também divulgada no jornal Migalhas.[3] Victor Nóbrega disse que ficou surpreso com a repercussão do artigo: "A coisa tomou uma proporção que a gente nunca imaginava. Eu esperava aparecer em alguns blogs, mas não em uma fonte mais séria. Eu gargalhei. Mas, se é engraçado por um lado, é triste por outro, porque as pessoas não estão usando a internet corretamente".[1]

Em sua matéria original, o G1 entrevistou professores para comentarem o caso, que, em geral, disseram que era necessário cuidado com as informações encontradas na Internet.[1] No mesmo dia da publicação da reportagem, o artigo foi eliminado pelo administrador Leon Saudanha. No dia 24 de fevereiro, o G1 publicou comentários de Saudanha e da Fundação Wikimedia, que gerencia a Wikipédia, sobre o caso.[4]

Impacto e análise

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Em 2017, o caso foi mencionado em uma tese de doutorado como exemplo de fake news jurídica[5] e por professores da Universidade Presbiteriana Mackenzie em seu site, pedindo "cuidado com as fontes de pesquisa".[6]

O advogado e jurista português João Taborda da Gama, escrevendo ao Diário de Notícias sobre o tema "Pode um juiz citar a Wikipédia?", citou Mirandópolis como exemplo para fundamentar sua opinião de que "depende muito do objetivo da citação, nunca podendo ser a fonte única de uma conclusão precisamente tendo em conta a mutabilidade e a fiabilidade da Wikipedia não serem absolutas".[7]

Caso posterior

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Em 2023, o nome "Carlos Bandeirense Mirandópolis" foi usado como denunciante para abertura de um inquérito do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP) da cidade de Rio Claro, para apuração de gastos em viagem realizada por vereadores até o balneário do Guarujá. Questionado, o MP/SP disse que "a identidade do representante é indiferente, já que o MP apura os fatos e poderia atuar até mesmo de ofício".[8]

Referências

  1. a b c d e f Passarinho, Nathalia (23 de fevereiro de 2016). «Perfil falso na Wikipédia é citado em decisão judicial e trabalho acadêmico». G1. Consultado em 14 de julho de 2024 
  2. «Sobre a notícia publicada: Carlos Bandeirense Mirandópolis». Núcleo de Memória da PUC-Rio. Consultado em 14 de julho de 2024 
  3. «Advogados criam perfil falso na Wikipédia e jurista fictício aparece em documentário e decisão». Migalhas. 23 de fevereiro de 2016. Consultado em 14 de julho de 2024 
  4. Passarinho, Nathalia (24 de fevereiro de 2016). «Após reportagem do G1, perfil de jurista fictício na Wikipédia é apagado». G1. Consultado em 14 de julho de 2024 
  5. Sbizera, José Alexandre Ricciardi (2017). «Linguagem, direito e literatura: Estilhaços heurísticos para pensar as relações entre o riso, o jurista e o leitor» (PDF). Universidade Federal de Santa Catarina. p. 65 
  6. «Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade?». Universidade Presbiteriana Mackenzie. Consultado em 14 de julho de 2024 
  7. da Gama, João Taborda. «Nunca é só isso». Diário de Notícias. Consultado em 14 de julho de 2024 
  8. Calore, Lucas (19 de junho de 2023). «Viagem de vereadores ao Guarujá se torna inquérito no Ministério Público». Jornal Cidade. Consultado em 14 de julho de 2024 

Ligações externas

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