Caso Escola Base – Wikipédia, a enciclopédia livre
O caso Escola Base ocorreu em 1994, em São Paulo, no qual os proprietários de uma escola infantil foram acusados injustamente de abuso sexual, causando danos irreparáveis à sua reputação devido à cobertura precipitada da imprensa e à conduta da polícia.
A Escola Base era uma escola particular localizada no bairro da Aclimação da capital paulista. Em março de 1994, o casal proprietário da escola, uma professora e um motorista foram injustamente acusados pela imprensa de abuso sexual contra alguns alunos de quatro anos da escola. Em consequência da revolta da opinião pública, a escola foi obrigada a encerrar suas atividades logo em seguida.[2]
O jornal O Estado de S. Paulo e a Rede Globo foram condenados a pagar indenizações aos acusados. O caso tornou-se referência nas discussões em cursos de direito e jornalismo, como exemplo das consequências trágicas que acusações precipitadas podem ocasionar.
Caso
[editar | editar código-fonte]O caso Escola Base envolve o conjunto de acontecimentos ligados a essa acusação, tais como a cobertura parcial por parte da imprensa e a conduta precipitada e muito questionada por parte do delegado de polícia Edélcio Lemos, responsável pelo caso, que, supostamente, teria agido pressionado pela mídia televisionada e pelas manchetes de jornais.[3] O caso foi arquivado pelo promotor Sérgio Peixoto Camargo por falta de provas.
Em março de 1994, o ano letivo havia acabado de começar. Tudo corria normalmente até o dia em que Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho notaram comportamentos estranhos em seus filhos, estudantes da instituição, e se dirigiram à delegacia para prestar queixa contra seis pessoas relacionadas ao colégio.
De acordo com as mães, os donos da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim Alvarenga e seu esposo, Maurício Monteiro Alvarenga, o motorista da Kombi que levava as crianças para a escola, faziam orgias com as crianças de quatro anos de idade no apartamento de Saulo e Mara Nunes, pais de um dos alunos.
Incumbido da investigação, Edélcio Lemos enviou os filhos de Lúcia e Cléa ao Instituto Médico Legal e conseguiu um mandado de busca e apreensão ao apartamento onde, supostamente, as crianças eram abusadas.
Quando nada foi encontrado, as mães, indignadas, foram à mídia. Foi a partir daí que o caso da Escola Base repercutiu e no mesmo dia, o laudo do IML foi analisado pelo delegado.
Era inconclusivo, mas dizia que as crianças apresentavam lesões que podiam ser de atos sexuais. Foi o suficiente para o delegado, que deu declarações dúbias à imprensa. Os acusados já eram, aos olhos do povo, culpados antes de qualquer julgamento.
Como nenhum grande evento estava ocupando as manchetes na época, a mídia deu uma enorme atenção ao caso. Os veículos investigavam o delegado e vice-versa, e o que se seguiu foi uma série de notícias recheadas de informações cuja veracidade não havia sido comprovada.
A manchete do tablóide paulista Notícias Populares daquele ano, dizia: “Kombi era motel na escolinha do sexo”, mas apesar do sensacionalismo que lhes era peculiar, isso traduziu com maestria a forma como a imprensa estava lidando com o caso.
Com o tempo, Lemos foi afastado da investigação, e os delegados substitutos ainda encontraram, por denúncia anônima, Richard Herrod Pedicini, um fotógrafo americano que morava nas redondezas da escola e, segundo a denúncia, vendia fotos das crianças molestadas.
A filha de Cléa foi levada ao apartamento do rapaz para fazer reconhecimento e quis brincar com uma abelhinha de pelúcia que estava no chão. Isso foi o suficiente para que fosse decretada a prisão preventiva do fotógrafo, enquanto a mídia já anunciava seu envolvimento com o caso. O fato de supostamente as crianças terem “reconhecido” a casa dele era o principal assunto das manchetes.
Invariavelmente, as provas da inocência começaram a aparecer. Quando a prisão preventiva de Saulo e Mara foi decretada, os advogados do casal finalmente tiveram acesso ao laudo do IML e viram o quão inconclusivo era, com a própria mãe de um dos meninos admitindo que ele sofria de constipação intestinal, uma das probabilidades apontadas pelo laudo.
A partir daí, apareceram depoimentos de outras pessoas como funcionários do colégio e pais de outros alunos em defesa dos acusados.
Em junho, três meses depois, os suspeitos foram inocentados pelo delegado Gérson de Carvalho, um dos que assumiram a investigação. Mesmo assim, os danos psicológicos, materiais e morais aos acusados eram enormes, e os inúmeros gastos com o processo deixaram as finanças de todos completamente arruinadas.
Os meios de comunicação foram acusados de não retratar a verdade de fato, declarando, apenas, que as investigações foram encerradas por falta de provas, sem necessariamente dizer que os acusados eram inocentes.
Consequências
[editar | editar código-fonte]Até hoje, o caso é tema de estudos de faculdades e seminários de jornalismo, direito, psicologia, psiquiatria e ciências sociais como exemplo de calúnia, difamação, injúria e danos morais.[4]
Vítimas
[editar | editar código-fonte]As pessoas acusadas no caso passaram a sofrer de doenças como estresse, fobia e cardiopatia, além de se isolarem da comunidade e perderem seus empregos.[4] Em 1995, Icusiro, Maria, Paula e Maurício moveram uma ação por danos morais contra a Fazenda Pública do Estado. Eles ganharam as duas primeiras instâncias. O processo está em Brasília, aguardando a sentença final.
Em 2007, Maria Aparecida Shimada, diretora da escola, morreu de câncer. Em 2014, seu marido e um dos proprietários da escola, Icushiro Shimada, morreu de infarto, em sua casa em São Paulo. Ele já tinha sofrido um infarto do miocárdio em 1994. Eles ainda aguardavam o pagamento de algumas indenizações.[5]
Paula nunca mais conseguiu trabalhar como professora, pois foi hostilizada como abusadora de crianças. em virtude das dívidas e da paranoia incontrolável que o rapaz desenvolveu após o caso, ela e o marido, Maurício, se divorciaram.
Saulo e Mara, como os outros, também enfrentaram problemas financeiros. Richard, mesmo após a conclusão, passou anos angariando recursos para mostrar que ele era, de fato, inocente.
Imprensa
[editar | editar código-fonte]Os órgãos de imprensa processados por danos morais são os seguintes:[6]
Órgão de Imprensa | Ref. |
---|---|
Folha de S.Paulo | [7] |
TV Globo | [3] |
SBT | [8] |
Estado de São Paulo | [9] |
RecordTV | |
Rádio e Rede Bandeirantes | |
IstoÉ | |
Veja | [10] |
Folha da Tarde | [11] |
Notícias Populares |
Em 2014, o STJ reduziu a condenação do SBT.[12]
Imóvel
[editar | editar código-fonte]Logo após o ocorrido, o imóvel foi alugado com o objetivo de abrigar meninas da Fundação Casa até pouco tempo depois da virada do século. A casa foi demolida em 2008 junto com outras construções ao redor para dar lugar a um condomínio de edifícios residenciais.[13]
Livros
[editar | editar código-fonte]Dois livros foram escritos narrando os acontecimentos e analisando os fatos.
O primeiro foi lançado em 1995 com o título Caso Escola Base: os abusos da imprensa,[14] tendo ganho o Prêmio Jabuti em 1996.[15]
O segundo, lançado em 2017, recebeu o título Escola Base.[16]
Um novo livro chamado O Filho da Injustiça escrito por Ricardo Shimada, filho de Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, foi lançado em 2023 e aborda, além das investigações, detalhes da sua vida com os pais antes, durante e após todo o ocorrido.[17]
Documentários
[editar | editar código-fonte]Em 2004, o documentário Escola Base – Marco Histórico da Irresponsabilidade da Imprensa Brasileira foi produzido por então estudantes de jornalismo Paulo Ranieri, Thiago Domenici e Gustavo Brigatto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.[18]
Em novembro de 2022, a Globoplay lançou o documentário Escola Base – Um Reporter Enfrenta o Passado, conduzido pelo repórter Valmir Salaro, que fez a cobertura do caso na época.[19] O documentário foi elogiado pelo mea-culpa que o repórter fez 27 anos após o acontecido.[20]
Uma série documental com produção do Canal Brasil e disponibilizada no Globoplay foi lançada no dia 2 de junho de 2023.[21]
Referências
- ↑ «Caso Escola Base: Rede Globo é condenada a pagar R$ 1,35 milhão». Pragmatismo Político. 18 de dezembro de 2012. Consultado em 31 de outubro de 2022
- ↑ «JRNews recorda o caso da Escola Base após 18 anos». Record News. 26 de março de 2012. Consultado em 30 de outubro de 2014. Arquivado do original em 2 de julho de 2013
- ↑ a b «Caso Escola Base: Globo terá de pagar R$ 1,35 mi». Terra. 16 de setembro de 2005. Consultado em 30 de outubro de 2014
- ↑ a b Revista Espaço Acadêmico. Disponível em https://www.espacoacademico.com.br/054/54lima.htm Arquivado em 25 de fevereiro de 2017, no Wayback Machine.. Acesso em 24 de fevereiro de 2017.
- ↑ «Morre Icushiro Shimada, erroneamente acusado no caso da Escola Base». VEJA. Consultado em 24 de outubro de 2022
- ↑ Débora Pinho (23 de janeiro de 2003). «Donos da Escola Base processam veículos de comunicação». ConJur. Consultado em 30 de outubro de 2014
- ↑ «Jornal deve indenizar donos da escola Base em R$ 1,08 milhão». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de novembro de 2022
- ↑ "STJ condena SBT a pagar indenização no caso Escola Base", O Globo, 20-2-2014, http://noblat.oglobo.globo.com/noticias/noticia/2014/02/stj-condena-sbt-pagar-indenizacao-no-caso-escola-base-525074.html, consultado 26-12-2014.
- ↑ «Donos da Escola Base processam veículos de comunicação». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de novembro de 2022
- ↑ Marco Antonio L. (9 de maio de 2012). «Veja, da Escola Base à Demóstenes». Jornal GGN. Consultado em 30 de outubro de 2014
- ↑ «Escola Base – Jornal é condenado a indenizar no caso Escola Base – SEDEP». Consultado em 22 de novembro de 2022
- ↑ «STJ reduz condenação do SBT no caso Escola Base». Consultor Jurídico. Consultado em 24 de outubro de 2022
- ↑ «Que fim levou a casa que abrigou a Escola Base? - 15/11/2022 - São Paulo Antiga - Folha». webcache.googleusercontent.com. Consultado em 22 de novembro de 2022
- ↑ «Folha de S.Paulo - Livro sobre caso da Escola Base é lançado com debate na Folha - 17/8/1995». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 24 de outubro de 2022
- ↑ «Prêmio 1996». Prêmio Jabuti. Consultado em 30 de outubro de 2014. Arquivado do original em 18 de outubro de 2014
- ↑ Cruz, Maria Teresa (5 de abril de 2017). «Livro-reportagem esmiúça o 'Caso Escola Base', um dos maiores erros da imprensa no Brasil». Ponte Jornalismo. Consultado em 24 de outubro de 2022
- ↑ redacaoterra. «Brasileiros contam como notícias falsas destruíram a vida dos seus pais». Terra. Consultado em 22 de novembro de 2022
- ↑ «Caso "Escola Base" é tema de documentário». Catraca Livre. Consultado em 24 de outubro de 2022
- ↑ «Globoplay estreia documentário Escola Base: Um Repórter Enfrenta o Passado». observatoriodatv.uol.com.br. Consultado em 14 de novembro de 2022
- ↑ «Repórter da Globo faz mea-culpa em doc que desenterra caso Escola Base | Tela Plana». VEJA. Consultado em 14 de novembro de 2022
- ↑ «Caso 'Escola Base': veja trecho exclusivo de novo documentário que estreia nesta sexta-feira». Estadão. Consultado em 3 de junho de 2023