Catatau (livro) – Wikipédia, a enciclopédia livre
Catatau | |
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Autor(es) | Paulo Leminski |
Idioma | Português |
País | Brasil |
Gênero | Romance experimental |
Localização espacial | Nordeste brasileiro |
Editora | Ed. do Autor |
Lançamento | 1975 |
Catatau é um livro de prosa experimental escrito por Paulo Leminski, um dos mais famosos poetas brasileiros da segunda metade do século XX,[1] e publicado pela primeira vez em 1975. Trata, supostamente, das alucinações do filósofo Descartes, caso ele tivesse vindo ao Brasil junto com a armada de Maurício de Nassau, durante as Invasões Holandesas. Foi classificado pelo autor como romance-ideia. Faz parte da produção em prosa do poeta, menos conhecida que sua poesia. A prosa de Catatau é altamente experimental, tornando o livro não raro hermético ou ininteligível,[2] e explorando o limite entre a prosa e a poesia. Inspirou-se sobretudo em obras de escritores como Haroldo de Campos (principalmente Galáxias),[3] James Joyce e Guimarães Rosa. Inspirou o filme Ex-isto, dirigido por Cao Guimarães.[4]
Conteúdo
[editar | editar código-fonte]Tentar resumir Catatau é quase impossível. O enredo deste romance, no sentido tradicional, é mais que exíguo: supostamente René Descartes se encontra perdido na selva tropical brasileira, "cá perdido, aqui presente, neste labirinto de enganos deleitáveis",[5] e espera Articzewski ("Na boca da espera, Articzewski demora [...]"),[6] seu amigo polonês (supostamente o primeiro desta nacionalidade no Brasil[7]), o "interlocutor ausente", que virá supostamente buscá-lo. O texto é apenas o monólogo de Descartes durante esta espera em que se misturam memórias e impressões do mundo, registrado continuamente sem marcações de diálogo nem parágrafos.
Concepção
[editar | editar código-fonte]Leminski levou aproximadamente oito anos para completar o livro.[8] Segundo depoimento do próprio poeta, o tema havia surgido durante uma aula de história do Brasil: Descartes havia servido na Holanda sob o comando de Nassau, não seria de todo impossível que ele viesse ao Brasil junto com o comandante.[9] O filósofo francês é assunto de outros dois poemas de Leminski: explicitamente em Minoração fúnebre para Descartes[10] e implicitamente em "Só ex isto ex ist"[11] (poema que deu o título à adaptação cinematográfica de Catatau).
O assunto serviria, em um primeiro momento, para um conto intitulado "Descartes com Lentes", enviado para o Concurso de Contos do Paraná. Ele não ganharia nenhuma menção neste concurso, o que desapontaria o autor, levando-o a considerar o júri desqualificado. Curiosamente, Leminski receberia mais tarde uma carta de um dos juízes afirmando que seu conto só não ganhara o primeiro lugar por causa de uma confusão de nomes.[12] Em 1968, já gozando de certa fama, o poeta teve um "perfil" publicado num jornal, em que já se anunciava a "futura obra-prima".[13] Em 4 de janeiro de 1970, novamente uma publicação de uma nota no Diário do Paraná, com a manchete "No Marumbi Leminski terminará o Catatau".[14]
Por muito tempo, Catatau ficou como livro anunciado e esperado. Mas só sairia muitos anos depois daquela aula de história, na primeira edição de 1975, de 2000 exemplares, independente. Leminski distribuiu o livro para várias pessoas do meio intelectual a fim de "provocar a crítica".[15]
O título do livro tem uma anedota da época em que o poeta e sua família moravam na pensão do Solar da Fossa, quando se mudaram para o Rio de Janeiro. Os colegas viam o poeta andar de um lado pra o outro com os livros de referência e diziam: "Lá vem o Leminski com aquele catatau embaixo do braço".[16] Este tornou-se o título definitivo. Antes seria Zagadka, "segredo" em russo e polonês. No plano do Catatau, o autor anota: "Catatau quer dizer: -calhamaço/ - monstro (Bahia)/ - provinciano (Minas) / Da periferia, saem os monstros".[17]
Quanto ao gênero, Leminski categorizou Catatau como um "romance-ideia".[18]
Linguagem
[editar | editar código-fonte]A principal dificuldade de leitura do Catatau se encontra no uso da linguagem, sobretudo por causa das experiências do poeta com as palavras e com diversas línguas estrangeiras incorporadas ao texto em português.
Formação de palavras[19]
[editar | editar código-fonte]- Composição: o poeta cria novos termos utilizando-se da justaposição ou da aglutinação. Exemplo de justaposição no texto: "engenhoenigma". Exemplo de aglutinação: "esgandaia" (esganado + gandaia).
- Onomatopeia: isto é, a imitação escrita de sons ou ruídos produzidos por objetos ou animais. Exemplo no texto: "[...] ziz, roqueroque, crã, plim, zaspt!".
- Palavra-valise: também conhecidas como portmanteau, usadas por escritores como Lewis Carroll, que são a fusão de duas ou mais palavras. Exemplo no texto: ventoninvelho (vento + inverno + velho).
- Efeitos poéticos: são construções inusitadas através de recursos sonoros e gráficos que alteram os paradigmas da língua. Exemplo: "faz tantos tantofaz [...]".
Línguas estrangeiras[20]
[editar | editar código-fonte]- tupi: aparece no texto sobretudo na forma de vocábulos isolados, obedecendo a ordem do dicionário de tupi escrito por Gonçalves Dias. Exemplo: "[...] uma aiurucatinga, um tuim, uma tuipara, uma tuitirica, uma arara [...]".
- latim: o latim utilizado em Catatau é o latim filosófico medieval, contudo, de forma deturpada, assim como o português, conforme os procedimentos acima anotados. Exemplo: "A assembableia revida: si vis pacem, in corpore belli civilis, para babellum!".
- japonês: também deturpada pelos mesmos procedimentos. Exemplo: "Barato é satori, biritamonogatari!".
- italiano: usada com menos frequência, sobretudo na forma de vocábulos, como o tupi. Exemplo: "Ciascun lo miri, e gli occhi a cose grandi alzi e la mente!".
- holandês: não é possível determinar com certeza qual dos 500 dialetos da língua o poeta utiliza, mas suas palavras estão próximas à língua batava do século XVI. Aqui também o poeta se utiliza dos recursos de modificação acima anotados, o que dificulta a tradução. Exemplo: "Noorderreus, brul nog zoo boos, ik zal slapen als een roos!".
- francês: o emprego do francês se dá principalmente pelo transcrição da pronúncia como em português e não da ortografia oficial da língua. Exemplo: "[...] num selavi fedorento qualquer!".
- grego: "Quaestio de Euphonia [...]"
- espanhol: "[...] amargo pero nonmenos precioso!".
- inglês: "[...] finders - goalkeepers, Jaspers - lousy whispers!".
- alemão: "Ik kan nikt Brief sein, so ick lange Brief breit schreibrift!".
Recepção crítica
[editar | editar código-fonte]Como mencionado, a estratégia de Leminski para divulgar seu livro foi enviar cópias para muitos intelectuais, críticos, poetas e músicos. A recepção crítica por parte dos intelectuais foi em geral positiva, inclusive do exterior: Eduardo Milán, secretário pessoal de Octavio Paz, afirmou que era "raro encontrar experimentos de formulação teórica tão precisa como Catatau".[21] Julián Ríos, escritor espanhol contemporâneo, transformou o próprio livro em personagem de um conto, intitulado Larva. Décio Pignatari considerava Catatau uma importante experiência de prosa representante do pluralismo linguístico no Brasil, ao lado de Galáxias. Flora Süssekind o lista como um exemplo de boa produção literária contemporânea, contrariando o que ela identifica como um "esgotamento e acomodação estética" geral das letras nacionais. É pouco conhecido, contudo, do público em geral.[8]
Referências
- ↑ A recente edição de suas poesias completas pela Companhia das Letras entrou para lista dos best-sellers, um feito surpreendente para um livro de poesia no mercado editorial brasileiro. Segundo notícia, o livro chegou a vender vinte mil exemplares em apenas um mês e meio. Vide WISNIK, José Miguel. Link para Leminski. O Globo online. 27/04/2013. Consultado em 5/7/2013.
- ↑ O próprio poeta assumia esta característica do livro: "Me recuso a ministrar clareiras para a inteligência deste catatau que, por oito anos, passou muito bem sem mapas. Virem-se." – epígrafe de Catatau.
- ↑ "O Catatau verifica uma categoria de ilegibilidade. Os estatutos desta categoria não estão elaborados teórica e nem pragmaticamente: só depois de muitas Galáxias e Catataus é que se vai saber o que fazer com textos ilegíveis porém procedentes. Eu não sei para que servem. Só sei fazer." Paulo Leminski em entrevista para Diogo Bello, no artigo "O Catatau: um calhamaço gritante" de 30 de julho 73, transcrita em VAZ, Toninho. Paulo Leminski: o bandido que sabia latim. 3 edição. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2009.
- ↑ Ex-isto no site oficial do diretor.
- ↑ LEMINSKI, Paulo. Catatau. 3 edição, crítica e anotada. Curitiba: Travessa dos Editores, 2004. p. 14.
- ↑ Catatau. op. cit., 2004, p. 17.
- ↑ Segundo a nota 3 do autor, em Catatau, op. cit., 2004, página 16.
- ↑ a b "[...] o Catatau não é algo extraordinário?!, um sujeito que passa oito anos escrevendo um livro que poucas pessoas conseguem ler – e aquelas que o fazem [a crítica especializada, em grande parte], chamam-no de obra-prima?..." - Alice Ruiz, apud VAZ, Toninho. op. cit., p. 13.
- ↑ LEMINSKI, Paulo. Descordenadas artesianas. In Catatau, op. cit., p. 270. No próprio texto de Catatau, o narrador faz referência à Olinda, chamada Vrijburg pelos holandeses (página 14, vide nota 2 do autor).
- ↑ "Repousa sob a laje/ o que viveu oculto/ Poupem-no do ultraje/ do tumulto", segundo nota do autor, inspirado no lema do filósofo "Bem viveu quem viveu oculto". La vie en close. in LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 291.
- ↑ Em referencia ao famoso Cogito ergo sum (penso logo existo em português). La vie en close. in Toda poesia, op. cit., p. 299.
- ↑ VAZ, Toninho. op. cit., p. 345, apêndice I.
- ↑ VAZ, Toninho. op. cit., p. 104
- ↑ VAZ, Toninho. op. cit., p. 120.
- ↑ VAZ, Toninho. op. cit., p. 165
- ↑ VAZ, Toninho. op. cit., p. 109.
- ↑ Reproduzido na edição crítica de Catatau, op. cit., 2004, página 257
- ↑ Ele também chamaria seus poemas de ideias, em um fragmento de O ex-estranho: "meus poemas são ideias/ ontem, coisa inteira, hoje, apenas manchas" in Toda poesia, op. cit., p. 336.
- ↑ Catatau, op. cit., 2004, p. 338. Os exemplos aqui apresentados foram retirados do apêndice dos editores sobre o assunto incluído na edição crítica citada. Para maiores detalhes, vide a obra referenciada.
- ↑ Catatau, op. cit., 2004, p. 349.
- ↑ Apud Catatau, op. cit., 2004, p. 378. Todas as opiniões seguintes foram retiradas do apêndice dos editores sobre a fortuna crítica do livro, incluso na edição crítica mencionada. Para maiores detalhes, vide a obra referenciada.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
- LEMINSKI, Paulo. Catatau. 3 edição, crítica e anotada. Curitiba: Travessa dos Editores, 2004.
- VAZ, Toninho. Paulo Leminski: o bandido que sabia latim'. 3 edição. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2009.