Colonialidade – Wikipédia, a enciclopédia livre

A colonialidade pode ser compreendida como um fenômeno histórico e cultural que tem sua origem no colonialismo, mas que se mantém após a experiência colonial. É um conceito que se refere aos efeitos duradouros e estruturais do colonialismo nas sociedades contemporâneas. Mesmo com o fim do colonialismo, a colonialidade se propaga mantendo a lógica de relações coloniais entre saberes e modos de vida. Ele engloba não apenas a colonização política e territorial, mas também a colonização das mentes, dos corpos e das estruturas sociais e culturais. A noção de colonialidade foi desenvolvida a partir de estudos críticos sobre as relações de poder entre colonizadores e colonizados, buscando compreender as dinâmicas de dominação e exploração que persistem mesmo após a independência política dos países colonizados.

Enquanto o termo colonialismo tem seu entendimento limitado ao período específico da colonização, a colonialidade se refere ao vínculo entre o passado e o presente, no qual emerge um padrão de poder resultante da experiência moderna colonial.

O termo "colonialidade" ganhou destaque nos estudos pós-coloniais e na teoria crítica, especialmente a partir do trabalho do sociólogo peruano Aníbal Quijano (1997)[1], segundo ele a colonialidade transcende o colonialismo e não desaparece com a independência ou descolonização dos países que foram colônias. . a colonização não foi um evento isolado no passado, mas um processo contínuo que moldou a ordem social, econômica, política e cultural do mundo moderno. A colonialidade, nesse sentido, opera através da naturalização de certos padrões nas relações de poder e da naturalização de hierarquias raciais, culturais, territoriais, de gênero e epistêmicas. Dessa forma, a colonialidade subalterniza certos grupos de seres humanos garantindo sua dominação, exploração e ignorando seus conhecimentos e experiências.[2]

A colonialidade se manifesta em várias dimensões da vida social, incluindo o conhecimento, a economia, a política, a cultura e as relações de gênero e raça. Ela se baseia em uma hierarquia global que posiciona o Ocidente como o centro e as culturas não ocidentais como inferiores e periféricas. Essa hierarquia é sustentada por diferentes formas de opressão, como o racismo, o sexismo, a homofobia e o classismo. A resistência à colonialidade se dá na forma das filosofias e movimentos chamados decoloniais. Muitos movimentos identitários étnicos como o movimento indígena e o movimento negro são considerados como uma resistência à colonialidade, demonstrando que essa enfrenta certa crise de estabilidade.

Colonialidade na educação

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No contexto educacional, a colonialidade se reflete em práticas e estruturas que reproduzem desigualdades e exclusões. A educação, muitas vezes, perpetua os padrões coloniais de conhecimento, privilegiando saberes ocidentais em detrimento de outros conhecimentos e epistemologias. A colonialidade na educação também se manifesta na falta de representatividade e inclusão de grupos marginalizados, como indígenas, negros e pessoas com deficiência.

Diversos estudos e publicações têm abordado a relação entre a colonialidade e a educação inclusiva. Por exemplo, a Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, publicada pelo Ministério da Educação do Brasil em 2008, destaca a importância de superar a colonialidade na educação, promovendo práticas inclusivas e respeitando a diversidade de saberes e culturas.

Autores como Norma Silvia Trindade Lima[3] têm explorado as contribuições decoloniais para a educação, especialmente por meio da capoeira. Em seus estudos, Lima destaca como a capoeira pode ser uma prática emancipatória que desafia a colonialidade na educação, permitindo a expressão cultural, o fortalecimento de identidades e a construção de relações horizontais.

Modernidade e colonialidade

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O filośofo peruano Aníbal Quijano considera a colonialidade como um outro lado da modernidade por isso muitas vezes os termos aparecem como correlatos através do uso de uma barra (/): modernidade/colonialidade, moderno/colonial: “não existe modernidade sem colonialidade”[4] afirma Quijano.

Colonialidade do poder

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A categoria de raça exemplifica a categoria de colonialidade de poder, pois tem sua origem e caráter colonial, mas é mais estável e durou mais do que o colonialismo em que teve origem. A categoria mental de raça, fruto da modernidade, serviu de início, para diferenciar conquistadores e conquistados.

Ao longo do processo histórico do colonialismo a ideia de raça fundou relações sociais e identidades sociais historicamente novas como índios, negros, mestiços e ressignificou outras como de espanhol, português e europeu, que deixaram de identificar somente a origem geográfica para identificar também identidades com conotações raciais. Essas identidades por estarem configurando relações sociais foram associadas a hierarquias e lugares sociais.

O padrão de dominação colonial imposto utilizou o conceito de raça como um instrumento de dominação social universal: os povos conquistados e dominados foram situados em uma posição natural de inferioridade e da mesma forma, seus traços fenotípicos e suas culturas também.

Assim como a ideia de raça foi naturalizada, uma divisão social do trabalho também o foi, na qual raça e trabalho estavam relacionados, configurando uma “distribuição racista do trabalho no interior do capitalismo colonial/moderno que se manteve ao longo de todo período colonial”.[5] Dessa forma, uma nova tecnologia de dominação (raça/trabalho) se articulou, de maneira que parecia naturalmente associada e até hoje perdura.

Colonialidade do saber

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Questões subjetivas e de produção de conhecimento estão vinculadas à noção de colonialidade de saber, pois ela afirma perspectivas eurocêntricas de produção de conhecimento. As teorias produzidas pela metrópole tentam projetar as experiências da Europa para o resto do mundo, como se fossem experiências universais, excluindo diversas formas de saberes do que pode considerar "conhecimento".[6]

Diversos pesquisadores das ciências humanas tem pensado formas como a colonialidade do saber opera na produção do conhecimento científico em países que foram colonizados[7]. Syed Hussein Alatas (2000)[8] utiliza o termo “imperialismo intelectual” para pensar a dominação de um povo sobre outro no plano do pensamento. Segundo Walter Mignolo[9], a colonialidade do saber deve ser alvo de desobediências epistêmicas para possibilitar o início de um processo de descolonização do saber.

Colonialidade do ser

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O termo “colonialidade do saber” foi sugerido pelo pensador decolonial Walter Mignolo, relacionando o colonialismo a não existência do “outro”, que passa a ser submetido a uma negação sistemática e a uma determinação constante de sua essência e do seu ser.[10] Porém, estudos anteriores como o de Aimé Césaire, Frantz Fanon[11] e W.E.B. Du Bois[12] já haviam refletido sobre como a colonialidade do ser se manifesta nos corpos dos do sujeitos que foram subalternizados pelo processo colonial.

Aimé Césaire em Discourse on Colonialismo (1950) afirma que colonização é igual a “coisificação”, referindo-se aos corpos colonizados, que nesse processo tem suas “culturas espezinhadas, (...) instituições minadas, (...) terras confiscadas, (...) religiões assassinadas, (...) magnificências artísticas aniquiladas, (...) extraordinárias possibilidades suprimidas”.[13]

Segundo Frantz Fanon, tanto a inferiorização quanto o sentimento de superioridade são construções sociais da colonização, e não essências humanas, que passaram a fazer parte da colonialidade do ser mantida após o período colonial. Uma frase sua sintetiza esse pensamento: “precisamos ter coragem de dizer: é o racista que cria o inferiorizado”.[14]

Referências

  1. QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del Poder, Cultura y Conocimiento en América Latina. In: Anuário Mariateguiano. Lima: Amatua, v. 9, n. 9, 1997
  2. Restrepo, E., & Rojas A. (2012). Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y cuestionamientos. Colombia: Ed. Universidad del Cauca, Popayán
  3. MANTOAN, M. T. E.; LANUTI, J. E. O. E. (22 de julho de 2021). «TODOS PELA INCLUSÃO ESCOLAR – DOS FUNDAMENTOS ÀS PRÁTICAS». doi:10.24824/978652511229.9. Consultado em 13 de junho de 2023 
  4. Quijano, A. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: E. Lander (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina
  5. QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. In: LANDER, Edgardo (org.) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
  6. CONNELL, Raewyn. Usando a Teoria do Sul: descolonizando o pensamento social na teoria, na pesquisa e na prática, Epistemologias do Sul, v. 1, n. 1, p. 87-109, 2017.
  7. PEREIRA, Ana Carolina Barbosa. Precisamos falar sobre o lugar epistêmico na Teoria da História, Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 24, p. 88 – 114. abr/jun. 2018.
  8. ALATAS, Syed Hussein. Intellectual imperialism: definition, traits, and problems. Southeast Asian Journal of Social Science, v.28, n.1, p.23-45, 2000.
  9. Mignolo, W. (2008). Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade. n 34
  10. STREVA, Juliana Moreira. Colonialidade do ser e corporalidade: o racismo brasileiro por uma lente descolonial. Revista Antropolítica, n. 40, Niterói, p.20-53, 1. sem. 2016
  11. FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas [1952]. Título original: “Peau noire, masques blancs”. Salvador: EDUFBA, 2008a.
  12. DU BOIS, W.E.B. The Souls of Black Folk [1903]. New York: Dover Publications, 1994.
  13. CÉSAIRE, Aimé. Discourse on Colonialism [1950]. Traduzido por Joan Pinkham. Nova Iorque: Monthly Review Press, 2000
  14. FANON, Frantz. Op. Cit., 2008a. p. 27, 90 e 101. PESÁNTEZ, Catalina León. Aimé Césaire y la constituición de los sujetos modernos de la colonización. In El color de la razón – Pensamiento crítico en las Américas. Universidad Andina Simón Bolívar, Sede Equador: Corporación Editora Nacional Roca, 2013.