Guerra sul-africana na fronteira – Wikipédia, a enciclopédia livre

Guerra sul-africana na fronteira
Guerra Fria e Descolonização de África
Data 26 de agosto de 196615 de janeiro de 1990
(23 anos, 4 meses, 2 semanas e 6 dias)
Local África do Sul (Namíbia), Zâmbia e Angola
Desfecho Impasse militar[1][2]
  • Retirada das forças estrangeiras (cubanas, sul-africanas) de Angola, Independência de Namíbia do domínio sul-africano
Beligerantes
1966-1974:
SWAPO (PLAN)
MPLA
UNITA
FNLA

1975-1990:
SWAPO
 Angola
 Cuba
Umkhonto we Sizwe

Apoiados por:
 União Soviética
 China
 Alemanha Oriental
 Egito[3]
Nigéria[4]
 Líbia[5]
 México[6]
1966-1974:
 África do Sul
Portugal Portugal
1975-1990:
 África do Sul
UNITA
FNLA
Comandantes
Sam Nujoma
Tobias Hainyeko  
Peter Nanyemba
Dimo Hamaambo
Peter Mweshihange
Solomon Huwala
Agostinho Neto
José Eduardo
António França
Iko Carreira
Fidel Castro
Gerrit Viljoen
Willie van Niekerk
Louis Pienaar
B. J. Vorster
P. W. Botha
F. W. de Klerk
Constand Viljoen
Johannes Geldenhuys
Magnus Malan
Andreas Liebenberg
Georg Meiring
Cornelius Ndjoba 
Jonas Savimbi
Holden Roberto
Francisco da Costa Gomes
Forças
c. 122 000 (1988)
(incluindo 40 000 cubanos)
c. 71 000
(1988; cerca de 30 743 da SADF)
Baixas
11 335 namibianos mortos[7]
2 016 cubanos mortos[8]
~ 2 500 mortos[9]

A Guerra sul-africana na fronteira, comumente referida como a Guerra das matas de Angola na África do Sul e Guerra de Independência da Namíbia em outros países, foi um conflito que ocorreu entre 1966 e 1989 no Sudoeste Africano (atual Namíbia) e Angola entre África do Sul e suas forças aliadas (principalmente a UNITA) de um lado e o governo angolano, a Organização do Povo da África do Sudoeste (SWAPO), e seus aliados - principalmente Cuba - de outro. Estava intimamente ligada com a Guerra Civil Angolana.

Foi um dos mais longos conflitos na África e um dos maiores, tanto em número de tropas como carro de combates, artilharia autopropulsada, veículos blindados e aeronaves utilizadas por ambos os lados.

Os acontecimentos desta guerra ocorreram durante 1965 e 1988 entre, por um lado, as tropas sul africanas, o grupo angolano UNITA contra os membros da SWAPO na Namíbia, os soldados de Angola e conselheiros enviados por Cuba. Nela participaram indiretamente os Estados Unidos, Israel, Grã-Bretanha, França e Irã (antes da Revolução Islâmica) tomando parte da África do Sul e a URSS ao lado dos cubanos e angolanos que combateram junto com a SWAPO. Além disso, a guerra levantou um número indeterminado de mercenários ocidentais, também do lado sul-africano e da UNITA.

A guerra terminou com a independência da Namíbia em 21 de março de 1990, e nas eleições que se seguiram a SWAPO obteve 55 dos 72 lugares na Assembleia Nacional da Namíbia, o que lhes permitiu formar um governo nacional.[10]

Um período de paz se seguiu entre as nações do sul da África, que foram assinando a paz com os distintos grupos guerrilheiros financiados pelo regime de apartheid sul-africano. A longo prazo, contribuiu para a reforma legal na África do Sul e o fim do Apartheid, com a saída do isolamento internacional a que este país estava submetido.

Contexto histórico

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A África do Sul administrava o território então conhecido como Sudoeste Africano, pois forças da entente, comandadas pelo general Louis Botha, conquistaram o território do Império Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Após o armistício e fim da guerra, as colônias alemãs e turcas foram posicionadas sob o controle de um sistema de mandatos criado pela Liga das Nações. O sistema de mandatos foi criado como um compromisso entre aqueles que defendiam a anexação dos territórios anteriormente possuídos pelos impérios alemão e otomano, e outra proposição criada por quem desejava lhes garantir uma tutela internacional até que estivessem aptos para se auto-gerir.[11] A União Sul-Africana recebeu a responsabilidade de administrar o local como uma província integral de seu território, mas não possuía soberania total sobre ele[11].

Todos os territórios afetados por esse sistema de mandatos foram divididos em três categorias - os territórios "Classe A" eram predominantemente localizados no Oriente Médio, os "Classe B" se localizavam principalmente na África central, e os "Classe C" eram as colônias alemãs menos populosas e/ou menos desenvolvidas: A colônia do Sudoeste Africano, a Nova Guiné Alemã, e as ilhas de colonização alemã no Oceano Pacífico.[11] Devido às suas densidades populacionais reduzidas, isolamento geográfico, pequenas dimensões ou proximidade das nações que receberam seus mandatos, as colônias Classe C poderiam ser administradas como províncias integrais do país administrador, embora não garantisse soberania total do país administrador sobre elas, apenas a responsabilidade administrativa.[11]

Em 1966, a Assembleia Geral da ONU revogou o mandato da África do Sul para governar o território do Sudoeste Africano e declarou que estava sob administração direta da ONU. A África do Sul se recusou a reconhecer esta resolução e continuou a administrar o território de facto.[12]

Após vários anos de petições malsucedidas por meio das Nações Unidas e do Tribunal Internacional de Justiça para garantir a independência da Namíbia, na época parte da África do Sul, a Organização do Povo do Sudoeste Africano (ou SWAPO) formou o PLAN ("People's Liberation Army of Namibia") em 1962 com apoio da União Soviética, China e nações africanas como Tanzânia, Gana e Argélia.[13] O conflito armado começou entre o PLAN e as autoridades sul-africanas em 1966. Entre 1975 e 1988, a Força de Defesa da África do Sul (ou SADF) liderou uma guerra convencional em Angola e na Zâmbia para eliminar as bases de operação do PLAN naquela região.[14] O governo sul-africano também mandou forças especiais e unidades especialistas em contra-insurgência, como a Koevoet e o Batalhão 32 para realizar missões de reconhecimento externo e rastrear movimentos de guerrilha.[15]

As táticas sul-africanas tornaram-se cada vez mais agressivas à medida que o conflito progredia.[14] As incursões das forças militares sul-africanas (o SADF) causaram muitos mortes em Angola e também geraram danos colaterais ao danificar instalações importantes para a economia da região.[16] Ostensivamente para impedir esses ataques, mas também para interromper a crescente aliança entre o SADF e a UNITA, com os sul-africanos abertamente armando a UNITA com equipamento capturado da milícia PLAN,[17] os soviéticos começaram a apoiar o FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola) por meio de um grande contingente de conselheiros militares e até quatro bilhões de dólares em tecnologia de defesa moderna na década de 1980.[18] Começando em 1984, tropas regulares angolanas, sob comando soviético, começaram de forma bem sucedida a lutar contra o SADF.[18] Os rebeldes ganharam ainda mais apoio quando Cuba mandou milhares de soldados para intervir diretamente em Angola.[18] A guerra entre a África do Sul e Angola terminou por um breve período com a assinatura dos Acordos de Lusaka (1984), mas as hostilidades recomeçaram em agosto de 1985 com o PLAN e a UNITA tirando vantagem do cessar-fogo para intensificar suas próprias atividades de guerrilha, levando a uma fase renovada de operações pela FAPLA que culminou na Batalha de Cuito Cuanavale.[16] A Guerra de fronteira da África do Sul foi virtualmente encerrada pelo Acordo Tripartido, mediado pelos Estados Unidos, que firmou a retirada dos militares cubanos e sul-africanos de Angola e do Sudoeste da África, respectivamente.[19] A última campanha de guerrilha lançada pelo PLAN aconteceu em abril de 1989.[20] O Sudoeste da África recebeu a independência formal, como a República da Namíbia, um ano depois, em 21 de março de 1990.[2]

Apesar de ter sido amplamente travada em estados vizinhos, a Guerra de fronteira da África do Sul teve um impacto cultural e político significativo na sociedade sul-africana.[21] O governo do país (que impunha a política do apartheid) dedicou um esforço considerável para apresentar a guerra como parte de um programa de contenção contra o expansionismo soviético na região[22] e utilizou isso para atiçar o sentimento anticomunista público.[23] O conflito continua a ser um tema integral na literatura sul-africana contemporânea em geral e trabalhos na língua africâner, em particular, tendo dado origem a um gênero único conhecido como grensliteratuur (traduzido como "literatura de fronteira").[16] A guerra foi brutal, envolvendo ações de guerrilha e atrocidades cometidas por todos os lados.[24]

A Guerra sul-africana na fronteira é a maneira que se traduz a expressão inglesa South African Border War e que em fontes oficiais sul-africanas pós-apartheid corresponde à chamada Guerra da fronteira com a Angola.[25] James Cimet, em sua enciclopédia do conflito, chama o conflito de Guerra pela libertação nacional da Namíbia.[26] Esse título foi o utilizado pela SWAPO, e é comumente utilizado no contexto da Namíbia. No entanto, o termo foi criticado por ignorar grandes implicações regionais do conflito, e o fato de que o Exército Popular de Libertação da Namíbia (PLAN; braço armado da SWAPO) não tinha base na Namíbia, nem realizou a maior parte de seus ataques naquele território.[27]

Referências

  1. Vanneman, Peter (1990). Soviet Strategy in Southern Africa: Gorbachev's Pragmatic Approach. Stanford: Hoover Institution Press. pp. 41–57. ISBN 978-0817989026 
  2. a b Hampson, Fen Osler (1996). Nurturing Peace: Why Peace Settlements Succeed Or Fail. Stanford: United States Institute of Peace Press. pp. 53–70. ISBN 978-1878379573 
  3. Williams, Christian (Outubro de 2015). National Liberation in Postcolonial Southern Africa: A Historical Ethnography of SWAPO's Exile Camps. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 73–89. ISBN 978-1107099340 
  4. Abegunrin, Olayiwola (1997). Nigerian Foreign Policy Under Military Rule, 1966-1999. Westport, Connecticut: Praeger Publishers. pp. 81, 93. ISBN 978-0275978815 
  5. Gebril, Mahmoud (1988). Imagery and Ideology in U.S. Policy Toward Libya 1969–1982. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press. p. 70. ISBN 978-0822985075 
  6. Cámara, Francisco (1993). Dos Capítulos de la Diplomacia Mexicana. Universidade Nacional Autônoma do México. [S.l.: s.n.] p. 73. ISBN 968-36-2914-8 
  7. Corum, James; Johnson, Wray (2003). Airpower in small wars: fighting insurgents and terrorists. Lawrence: University Press of Kansas. p. 315. ISBN 978-0700612406 
  8. Polack, Peter (2013). The Last Hot Battle of the Cold War: South Africa vs. Cuba in the Angolan Civil War illustrated ed. Oxford: Casemate Publishers. pp. 72, 92–108, 156–171. ISBN 978-1612001951 
  9. Reginald Herbold Green. «Namibia : The road to Namibia – Britannica Online Encyclopedia». Britannica.com. Consultado em 15 de janeiro de 2013 
  10. "Namibian Voters Deny Total Power to SWAPO," by Michael Johns, The Wall Street Journal, November 19, 1989..
  11. a b c d Rajagopal, Balakrishnan (2003). International Law from Below: Development, Social Movements and Third World Resistance. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 50–68. ISBN 978-0521016711 
  12. «Namibian War of Independence 1966-1988». Armed Conflict Events Database. Consultado em 30 de novembro de 2009 
  13. Hooper, Jim (2013) [1988]. Koevoet! Experiencing South Africa's Deadly Bush War. Solihull: Helion and Company. pp. 86–93. ISBN 978-1868121670 
  14. a b Clayton, Anthony (1999). Frontiersmen: Warfare in Africa since 1950. Philadelphia: UCL Press, Limited. pp. 119–124. ISBN 978-1857285253 
  15. Stapleton, Timothy (2013). A Military History of Africa. Santa Barbara: ABC-CLIO. pp. 251–257. ISBN 978-0313395703 
  16. a b c Jacklyn Cock, Laurie Nathan (1989). War and Society: The Militarisation of South Africa. [S.l.]: New Africa Books. pp. 124–276. ISBN 978-0-86486-115-3 
  17. Weigert, Stephen (2011). Angola: A Modern Military History. Basingstoke: Palgrave-Macmillan. pp. 71–72. ISBN 978-0230117778 
  18. a b c Blank, Stephen (1991). Responding to Low-Intensity Conflict Challenges. Montgomery: Air University Press. pp. 223–239. ISBN 978-0160293320 
  19. Harris, Geoff (1999). Recovery from Armed Conflict in Developing Countries: An Economic and Political Analysis. Oxfordshire: Routledge Books. pp. 262–264. ISBN 978-0415193795 
  20. Hearn, Roger (1999). UN Peacekeeping in Action: The Namibian Experience. Commack, New York: Nova Science Publishers. pp. 89–95. ISBN 978-1-56072-653-1 
  21. Du Preez, Max (2011). Pale Native: Memories of a Renegade Reporter. Cape Town: Penguin Random House South Africa. pp. 88–90. ISBN 978-1770220607 
  22. Mashiri, Mac; Shaw, Timothy (1989). Africa in World Politics: Into the 1990s. Basingstoke: Palgrave-Macmillan. pp. 208–209. ISBN 978-0333429310 
  23. Baines, Gary (2014). South Africa's 'Border War': Contested Narratives and Conflicting Memories. London: Bloomsbury Academic. pp. 1–4, 138–140. ISBN 978-1472509710 
  24. Colletta, Nat; Kostner, Markus; Wiederhofer, Indo (1996). Case Studies of War-To-Peace Transition: The Demobilization and Reintegration of Ex-Combatants in Ethiopia, Namibia, and Uganda. Washington DC: World Bank. pp. 127–142. ISBN 978-0821336748.
  25. Embajada de Sudáfrica en Cuba: Historia de Suráfrica, última visita: 8 de fevereiro de 2007
  26. James Ciment: Encyclopedia of conflicts since World War II, última visita em 3 de maio de 2007.
  27. Baines, Gary (2014). South Africa's 'Border War': Contested Narratives and Conflicting Memories. Londres: Bloomsbury Academic. pp. 1–4, 138–140. ISBN 978-1472509710