Malunguinho – Wikipédia, a enciclopédia livre
Malunguinho é uma Falange espiritual afro-ameríndia presente nos terreiros de Catimbó, Toré e Umbanda, sobretudo da região nordeste do Brasil, inspirada na figura do líder João Batista, do Quilombo de Catucá.[1]
Origem
[editar | editar código-fonte]Pernambuco foi palco de muitas rebeliões e movimentos políticos revolucionários, como a revolução de Goiana, a junta do Beberibe em 1821, a rebelião dos Romas em 1829, entre outros movimentos que tinham como um de seus objetivos a reivindicação de liberdade. A figura do quilombo teve sua importância crucial na história, pois era um local de resistência que tinha como finalidade acolher várias pessoas, independentemente de suas crenças ou etnias, respeitando as diversas manifestações de fé.
No século XIX, parte das terras localizadas em Olinda, no estado de Pernambuco, eram improdutivas, fato que culminou na luta pelo desenvolvimento agrário. Um dos movimentos de maior representatividade foi o dos negros do Quilombo de Cacutá, localizado nas terras conhecidas atualmente, como Engenho Utinga, no município de Abreu e Lima. Entre os anos de 1814 a 1837, os revoltosos implementaram diversas ações contra o poder local constituído, que naquele momento estava fragilizado pelos conflitos internos pelo poder e soberania. Desenvolveram técnicas de guerrilha, conhecidas até hoje como estrepes, um tipo de lança feita em madeira, que continha os invasores dos quilombos ao ser enterrada em buracos escondidos na mata.
João Batista, um dos maiores lideres da história do quilombo, foi assassinado em uma emboscada na cidade de Abreu e Lima, conhecida na época como Maricota[1]. Sua morte decretou o fim do Catucá em 18 setembro de 1835.
Guerreiro Malunguinho
[editar | editar código-fonte]A história de Malunguinho começa nos registros documentais de uma forma extremamente negativa. Estas escritas documentais foram redigidas a favor da Coroa, tendo a finalidade de defender apenas os interesses do clã português. Assim, Malunguinho foi registrado como bandido, um fora da lei, um chefe de quadrilha, e assim era chamado, pois havia uma ordem de execução para aniquilar completamente quaisquer vestígio existente do chefe dos malungos. Malunguinho era taxado como bandido porque defendia os interesses da liberdade de expressão e não concordava com as ideias dos homens brancos. O nome Malunguinho era, provavelmente, um título dado ao chefe dos malungos. A liberdade e a terra era o sonho deste povo, os negros malungos eram exímios guerreiros, possuidores de varias técnicas de guerrilhas conhecidas até hoje.
Registros contam que, em uma invasão a mata para perseguir o chefe dos malungos, Malunguinho foi ferido, mas não capturado. Quase morto, conseguiu escapar e se esconder na floresta, foi resgatado por índios e curado com o poder das ervas e a sabedoria dos indígenas. Este sábio senhor adquiriu em suas atividades a necessidade de estar na mata à sabedoria da cura através das ervas. Malunguinho passou a viver um tempo na aldeia dos seus irmãos, e este período foi então de extrema importância para este lider. A soberania da essência negra com a cultura indígena despertava a magia da ciência mística da Jurema neste grande homem. Malunguinho era conhecido e temido por todos os senhores brancos, pois tinha a coragem de libertar escravos abrindo portas de cativeiros e senzalas, destrancando correntes que aprisionavam os seus irmãos de cor. Com essa atitude, recebeu um titulo de "portador de uma chave mágica", e seus adversários não sabiam como ele conseguia abrir essas trancas. A simbologia desta chave aparece mais tarde em cerimônias religiosas dentro da linha da Jurema para o culto deste grande mestre. A passagem de Malunguinho pela aldeia tinha uma finalidade espiritual, por mais que ninguém soubesse naquela época, a Jurema tinha escolhido o guardião de sua chave para tomar conta dos caminhos, tendo a responsabilidade de destrancar as estradas, sendo ele o desbravador na linha da Jurema e fazendo a ligação entre o mundo dos vivos e os ancestrais da floresta.
Referências Musicais
[editar | editar código-fonte]De acordo com Mário de Andrade, em Música de Feitiçaria no Brasil, "Malunguinho é um negro africano feiticeiro malévolo. Só pratica o mal. Trabalha com a cabeça no chão à meia-noite com panos pretos. É capaz de tomar mais de uma garrafa de cauim duma vez e até duas. Serviço dele outro espírito não desmancha. É um espírito atrasado, convive em mundos inferiores, no geral, não é chamado. Manda enterrar sapos cururus na porta de quem a gente quer infelicitar". A visão do autor de Macunaíma é bastante negativa em relação ao cultivo da entidade nos dias de hoje, tida como benevolente pelos praticantes.
Malunguinho na Jurema
[editar | editar código-fonte]De acordo com o pesquisador Hildo Leal da Rosa, no culto da Jurema, Malunguinho é uma entidade de grande poder, que se manifesta de três formas bastante distintas. Exu, caboclo e mestre. O primeiro representa o mensageiro, fazendo o elo de ligação da linha da Jurema com as pessoas. O segundo é a figura do guia, o principal protetor dos iniciados no culto. O terceiro representa alguém que teve existência real na terra. A Jurema, segundo o pesquisador, é um culto religioso de origem indígena (existe no Brasil desde o século 16), mas que também carrega elementos afros (negros) e cristãos (brancos). “Malunguinho é uma entidade que fala pouco e não demora muito quando incorpora. Suas palavras são meio truncadas, como uma criança falando, e a língua mistura português com outro idioma”, diz Hildo Leal.
Durante o culto, as mensagens trazidas pela entidade são repassadas a um médium. “Quando a pessoa está com um problema sério e precisa de uma proteção grande, uma das primeiras entidades chamadas para ajudar é Malunguinho”, diz o pesquisador. Traduzido como um Exu muito forte, Malunguinho também é invocado nas cerimônias para levar embora os outros exus.
Antes de começar as cerimônias, o grupo sempre pede proteção a Malunguinho. “Isso é uma história muito bonita. O povo pega um herói popular que existiu de verdade, guerreiro, líder dos negros e o coloca no olimpo das divindades”, acrescenta o historiador Marcus Carvalho. Várias cantigas usadas no culto da Jurema citam a figura de Malunguinho.
“Subir ao panteão das divindades é talvez a maior homenagem que um povo pode prestar aos seus heróis”, destaca Marcus Carvalho na publicação O Quilombo de Malunguinho, o rei das matas de Pernambuco (Liberdade por um fio/História dos quilombos no Brasil, editado pela Companhia das Letras). Para Marcus Carvalho, a unidade entre a divindade e o guerreiro da floresta do Catucá é evidenciada em uma cantiga que cita um antigo aparato militar usados pelos quilombolas, os estrepes.
Existe uma toada na Jurema que versa assim: “Malunguinho tá de ronda / Quem mandou foi o Jucá / Malunguinho tá de ronda / Que a Jurema Manda / Ô que a Jurema manda”...
Portanto, sabemos que ele, como uma das divindades centrais desta religiosidade do nordeste do Brasil tem forte fluxo na Cidade do Jucá, um dos sete Reinos encantados espirituais da Jurema. Na verdade Malunguinho está na porta central, como àquele que permite a entrada e também pode não permitir a passagem para dentro das Cidades, ou para dentro dos Reinos da Jurema Sagrada. Também pode não permitir a saída de lá...
Esta característica e prática ritual dessa divindade negro indígena é muito forte na Jurema cultuada principalmente na Mata Norte pernambucana, onde o Malunguinho, personagem histórico que atuou como liderança quilombola do Catucá na primeira metade do século XIX no Estado teve grande atividade e reconhecimento. Suas práticas como homem guerreiro, protetor, guardião das matas, chefe da mata, Rei Nagô, Rei das matas, organizador de seu povo, militante aguerrido das causas dos desprovidos de proteção e também como homem violento e implacável, se recriaram dentro da prática da Jurema, que é uma religião de matrizes indígenas que tem como principal característica teológica a xenofilia e a transcendência do estado mental através da ingestão do ajucá ou vinho da Jurema, bebida que pode proporcionar um estado de transcendência da mente e da espiritualidade humana.
Malunguinho tem forte representação nas nossas terras. Ele é muito mais que uma divindade da Jurema, vai bem além, adentrando também a prática do culto aos Orixás, como por exemplo, a prática de Xangô, o Rei Nagô...
Falar de Malunguinho é bem mais que citar bibliografias, que mesmo estas sendo importantes, sem dúvida, não podem dimensionar o que esta divindade representa para seu povo ainda. Falar dele é falar da experiência e memória oral de centenas de terreiros de todo Nordeste que dedicam culto a este forte protetor espiritual que mantém ao longo de todos estes anos, mais de 176 (18 de setembro de 1835 - data provável da morte do último Líder Malunguinho, o João Batista), sua marca na vida de milhares de homens e mulheres que tem fé nos milagres, na fumaça e gira deste Mestre, Caboclo e Trunqueiro/Exu.
Malunguinho é verdadeiramente amigo dos juremeiros e juremeiras, assim como já avisa seu nome – Malungo, que é uma palavra da língua Kimbundo de Angola, na África e, significa amigo, companheiro, parceiro de bordo e de lutas... Mesmo sendo também considerado uma divindade arisca e de difícil contato, sua função demanda muita cautela e atenção, por isso talvez seja um pouco bravo... Pois ele tem que manter a moral nos portais das cidades da Jurema Sagrada, ele é responsável pelo equilíbrio do fluxo espiritual entre discípulos e o mundo sagrado... Mas ele é amigo leal, como relatam todos os seus discípulos e cultuadores.
Suas cores são o verde, o vermelho e o preto, ou ainda o preto e branco, ou o vermelho e preto. Suas guias, indumentárias que adornam os pescoços dos juremeiros sempre vão ter as sementes de ave-maria unidas a estas cores, simbolizando-o e o sinalizando. As cores, vermelho e preto, acreditamos que remonta as cores do Orixá Exu no culto dos iorubás. Malunguinho também é sincretizado com esta divindade africana por ter funções muito parecidas em suas liturgias e práticas.
Um de seus símbolos mais usados e importantes é a estrela de sete pontas que simboliza o domínio sobre as sete Cidades da Jurema (este símbolo também é usado por juremeiros e juremeiras de ciência no culto, é um símbolo de força). Também a preaca (arco-e-flexa) e o bodoque compõem seus símbolos. Chapéu de palha destorcido ou virado ao contrário, chibata, facão, dentes de animais e couros de cobra são também utilizados. Existem outros símbolos, como o chapéu de couro de vaqueiro ou cangaceiro, o rebengue, espécie de chicote usado pra tanger boi no Sertão e, até mesmo espingardas podem ser encontradas em seus assentamentos sagrados.
Podemos avaliar de forma muito preliminar que o culto à Malunguinho se organizou de forma bem estruturada na cosmovisão da Jurema. A ele tudo é tal qual podemos observar como são para os Orixás, por exemplo. Sua prática vai bem mais além, mas não é nosso objetivo aqui destrinchar todos seus rituais e oferendas, rituais e cerimônias secretas. “Malunguinho é dono de muitos segredos na Jurema”, afirma mãe Terezinha Bulhões.
Quilombo Cultural Malunguinho na internet e em diversos espaços de discussão e de luta por direitos, Malunguinho vem sendo reconhecido como herói pernambucano, tendo até uma Lei Estadual proposta por este grupo em 2007, a Lei da Semana da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, a Lei Malunguinho de número 13.298/07. Com tudo isso, aos poucos o Rei das Matas vai retomando seu lugar no meio do povo brasileiro, como é merecido, já que ele é a representação legítima do herói negro e indígena que o povo elegeu como divindade de sua religião, como Rei da Jurema e seu herói por derradeiro.
Marcus Carvalho explica que estrepes eram paus pontudos fincados no chão, em armadilhas ou expostos, para impedir os ataques dos soldados aos quilombos. “Muitos soldados caíam nas armadilhas ao perseguir os negros. Vem daí a expressão ‘se estrepar’”, observa. “O Malunguinho da Jurema, que tem o poder de tirar os estrepes do caminho, é, portanto, a recriação simbólica do próprio Malunguinho do Catucá: o verdadeiro rei das matas de Pernambuco”, escreve o historiador na mesma publicação.
Referências
1. http://alexandrelomilodo.blogspot.com/2012/04/salve-o-mestre-malunguinho-que-jurema.html
2.https://juremadoriograndedonorte.wordpress.com/malunguinho-a-historia-de-um-rei-brasileiro/
- Bibliografia
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- _________________, Música de Feitiçaria no Brasil. Belo Horizonte. 2 ed. Ed. Itatiaia. 1996.
- ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Primeiros Passos, 36), 1981.
- AYALA, Marcos e AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura popular no Brasil. (perspectivas de análise). São Paulo: Ática. (Princípios: 122), 1987.
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- BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 2 ed. São Paulo: T. A. Queiroz: EDUSP, 1987.
- BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, (Primeiros passos: 60), 1982.
- BENJAMIN, Walter. O narrador. In: et aii. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural. (Os pensadores) 1983.
- CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1978. 240.
- CAVALCANTE, Severino. Feitiços do Catimbó. Editora Eco, s/d.
- CARVALHO, Marcos Joaquim M. O QUILOMBO DO CATUCÁ EM PERNAMBUCO. Caderno CRH, n. 15, p. 5-28, jul./dez., 1991.
Ligações externas
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