Mikio Naruse – Wikipédia, a enciclopédia livre

Mikio Naruse
成瀬 巳喜男
Mikio Naruse
Naruse em 1933
Nascimento 20 de agosto de 1905
Yotsuya, Shinjuku-ku, Tóquio, Império do Japão
Morte 2 de julho de 1969 (63 anos)
Tóquio, Japão
Nacionalidade japonês
Ocupação
Período de atividade 1930–1967

Mikio Naruse (成瀬 巳喜男 Naruse Mikio?) 20 de agosto de 19052 de julho de 1969 foi um roteirista e produtor japonês. Naruse dirigiu cerca de 89 filmes entre 1930 a 1967.[1][2][3]

Dentre os cineastas japoneses, é conhecido por construir narrativas mais sombrias e dramáticas sobre a classe trabalhadora (shōshimin-eiga), dando destaque a protagonistas femininas, retratadas por atrizes como Hideko Takamine, Kinuyo Tanaka e Setsuko Hara. Também trabalha com o cotidiano familiar e com a interseção entre a cultura japonesa tradicional e a moderna, o que rendeu comparações com obras de Yasujirō Osu.[4] Muitos de seus filmes em seu final de carreira foram adaptações de obras de escritores japoneses reconhecidos. Intitulado como uma "figura importante da idade de ouro do Japão"[5] e "dramaturgo extremamente inteligente",[6] ele permanece menos conhecido internacionalmente do que seus contemporâneos Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi e Ozu.[7] Entre seus filmes mais notáveis ​​estão Yama no Oto, Bangiku, Nuvens Flutuantes, Nagareru e Onna ga kaidan o agaru toki.[1][7][8]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Início da vida[editar | editar código-fonte]

Mikio Naruse nasceu em Tóquio em 1905 e foi criado por seu irmão e irmã após a morte prematura de seus pais. Ele entrou no estúdio de cinema Shōchiku, na época dirigido por Shirō Kido, na década de 1920 como assistente de equipe de iluminação e logo foi designado para trabalhar com diretor de comédia Yoshinobu Ikeda. Somente em 1930 ele foi autorizado a dirigir um filme sozinho. Seu filme de estreia, a curta comédia pastelão, Chanbara Fūfū, foi editado por Heinosuke Gosho, que tentou apoiar o jovem cineasta. O filme foi considerado um sucesso, e Naruse foi autorizado a dirigir o filme de romance, Junjo.[9] Ambos os filmes, como a maioria de seus primeiros trabalhos na Shōchiku, estão atualmente perdidos.[5]

Cena de Koshiben Ganbare (1931), filme sobrvivente mais antigo do diretor

O primeiro trabalho sobrevivente de Naruse é o curta Koshiben Ganbare (1931), uma mistura de comédia e drama.[7] Em 1933-1934, ele dirigiu uma série de melodramas mudos, Kimi to Wakarete, Yogoto no Yume e Kagirinaki Hodō, centrados em mulheres confrontadas com ambientes hostis e diversas responsabilidades, demonstrando "um considerável virtuosismo estilístico" (Alexander Jacoby).[6] Insatisfeito com as condições de trabalho na Shōchiku e com os projetos para os quais foi designado, Naruse deixou o estúdio em 1934 e mudou-se para o P.C.L. estúdios (Photo Chemical Laboratories, que mais tarde se tornaria a Toho).[9]

Seu primeiro grande filme foi a comédia dramática Tsuma yo bara no yō ni (1935). Foi eleito o Melhor Filme do Ano pela revista Kinema Junpo, e foi o primeiro filme japonês a receber estreia nos cinemas dos Estados Unidos (onde não foi bem recebido).[10][5][6] O filme retrata a história de uma jovem cujo pai abandonou a família para se relacionar com uma ex-gueixa. Quando ela visita o pai em uma remota vila nas montanhas, descobre que a segunda esposa é muito mais adequada para ele do que a primeira. Os historiadores do cinema enfatizaram a "sensação alegre e moderna"[5] do filme, bem como o "estilo visual inovador" e as "atitudes sociais progressistas".[6]

Os filmes de Naruse em seus anos posteriores são frequentemente considerados trabalhos menos relevantes pelos historiadores do cinema devido em parte a roteiros e atuações fracos,[7][9] embora Jacoby tenha notado a experimentação formal e a atitude cética em relação às instituições do casamento e da família em Nadare e Nyonin aishu (ambos de 1937).[6] Naruse argumentou mais tarde que na época não teve coragem de recusar alguns dos projetos que lhe foram oferecidos e que suas tentativas de compensar o conteúdo fraco em técnica não funcionaram.[9]

Durante os anos de guerra, Naruse manteve, o que sua biógrafa Catherine Russell chamou de “projetos seguros”, incluindo “filmes de guerra nacionais” como Magokoro.[7] O início da década de 1940 viu o colapso do primeiro casamento de Naruse com Sachiko Chiba, que estrelou Tsuma yo bara no yō ni e com quem ele se casou em 1936.[7][9] Em 1941, dirigiu a comédia Hideko no shashō-san, com Hideko Takamine, que mais tarde se tornaria sua atriz principal.

Carreira no pós-guerra[editar | editar código-fonte]

Cartaz do filme Tsuma no kokoro (1956).

O filme Meshi de 1951 marcou o retorno do diretor e foi o primeiro de uma série de adaptações de obras da escritora Fumiko Hayashi,[5][6] incluindo Relâmpago (1952) e Nuvens Flutuantes (1955). Todos esses filmes apresentavam mulheres lutando com relacionamentos infelizes e problemas familiares, e recebram prestigiados prêmios nacionais de cinema. Bangiku (1954), baseado em contos de Hayashi, é centrado em quatro ex-gueixas e suas tentativas de lidar com as restrições financeiras no Japão do pós-guerra. Yama no Oto (1954), um retrato de um casamento desmoronando, e Nagareru (1956), que segue o declínio de uma outrora próspera casa de gueixas, foram baseados em romances de Yasunari Kawabata e Aya Kōda.

Na década de 1960, a produção de Naruse diminuiu em quantidade (parcialmente devido à sua doença),[7] enquanto os historiadores do cinema detectam ao mesmo tempo um aumento do sentimentalismo[9] e “um modo mais espetacular de melodrama” (Russell).[7] Onna ga kaidan o agaru toki (1960) conta a história de uma velha recepcionista de bar tentando abrir seu próprio negócio, Hōrōki (1964) conta sobre a vida da escritora Fumiko Hayashi. Seu último filme foi Nuvens Dispersas (1967). Dois anos depois, Naruse morreu de câncer, aos 63 anos.[7]

Estilo cinematográfico e temas[editar | editar código-fonte]

Naruse é conhecido por exemplificar particularmente o conceito japonês de "mono no aware", a consciência da transitoriedade das coisas e uma leve tristeza pela sua passagem. “Desde muito jovem pensei que o mundo em que vivemos nos trai”, explicou o cineasta.[9] Seus protagonistas eram geralmente mulheres, e seus estudos sobre a experiência feminina abrangeram uma ampla gama de ambientes sociais, profissões e situações. Seis de seus filmes foram adaptações de uma única romancista, Fumiko Hayashi, cuja visão pessimista parecia corresponder à sua. A partir do trabalho dela, ele fez filmes sobre paixões não correspondidas, famílias infelizes e casamentos caindo aos pedaços.[6] Cercados por laços familiares inquebráveis ​​e costumes inflexíveis, os personagens nunca ficam mais vulneráveis ​​do que quando decidem, pela primeira vez, fazer um movimento individual: "Se eles se moverem, mesmo que seja um pouco, rapidamente batem na parede" (Naruse). As expectativas invariavelmente terminam em decepção, a felicidade é impossível e o contentamento é o melhor que os personagens podem alcançar. Sobre os longas Meshi, Fufu e Tsuma, Naruse disse, "esses retratos têm pouco que acontece nelas e terminam sem uma conclusão - assim como a vida".[9] Enquanto seus filmes anteriores empregam um estilo mais experimental, os filmes do pós-guerra de Naruse mostram uma combinação de estilos,[11] contando com edição, iluminação, atuação e cenários.[6][7]

Reputação[editar | editar código-fonte]

Naruse foi descrito como sério e reservado, e até mesmo seus colaboradores mais próximos e duradouros, como o diretor de fotografia Tamai Masao, afirmaram não saber nada sobre ele pessoalmente. Ele deu poucas entrevistas[7] e foi, segundo Akira Kurosawa, um diretor muito autoconfiante que fez tudo sozinho no set.[12] Hideko Takamine lembrou: “Mesmo durante a filmagem de um filme, ele nunca dizia se algo era bom ou ruim, interessante ou banal. Ele era um diretor completamente indiferente. Apareci em cerca de 20 de seus filmes, mas nunca houve um caso em que ele me deu instruções de como atuar."[13] Tatsuya Nakadai relembrou um momento que presenciou durante as filmagens de Onna ga kaidan o agaru toki, onde Naruse gritou com um assistente de direção por desenhar um olho de papelão para indicar o ponto de referência da linha dos olhos de Hideko Takamine.[14]

Prêmios[editar | editar código-fonte]

Onna ga kaidan o agaru toki

Meshi

Relâmpago

  • Blue Ribbon Awards de Melhor Filme e Melhor Diretor[17]

Okaasan

Nuvens Flutuantes

  • Blue Ribbon Awards de Melhor Filme[19]
  • Mainichi Film Concours de Melhor Filme e Melhor Diretor[20]
  • Prêmio Kinema Junpo de Melhor Filme e Melhor Diretor

Audie Bock, historiadora de cinema, foi curadora de duas extensas retrospectivas sobre Naruse em Chicago e Nova York em 1984–1985.[21][22][23] Retrospectivas também foram realizadas no Berkeley Art Museum e no Pacific Film Archive em 1981 e 2006,[24][25] no Festival de Cinema de Locarno (1984),[7] em Melbourne (1988),[26] e no Harvard Film Archive em 2005.[27]

Nuvens Flutuantes e Nagareru foram votados e classificados nas listas dos Melhores Filmes Japoneses de Todos os Tempos de 2009 pelos leitores e críticos da revista de cinema japonesa, Kinema Junpo.[28][29][30]

Filmografia[editar | editar código-fonte]

Ano Título Notas
Filmes mudos dos anos 1930
1930 Chanbara fufu Perdido
Junjo Perdido
Fukeiki jidai Perdido
Ai ha chikara da Perdido
Oshikiri shinkonki Perdido
1931 Nee kofun shicha iya yo Perdido
Nikai no himei Perdido
Koshiben Ganbare
Uwaki wa kisha ni notte Perdido
Hige no chikara Perdido
Tonari no yani no shita Perdido
1932 Onna wa tamoto o goyojin Perdido
Aozora ni naku Perdido
Eraku nare Perdido
Chokoreito garu Perdido
Nasanu Naka
Kashi no aru Tokyo no fûkei Perdido. Curta-metragem publicitário
Mushibameru haru Perdido
1933 Kimi to Wakarete
Yogoto no Yume
Boku no marumage Perdido
Sobo Perdido
Kingashinnen Perdido
1934 Kagirinaki hodō
Filmes sonoros dos ano 1930
1935 Otome-gokoro sannin shimai
Joyu to shijin
Tsuma yo bara no yō ni
Saakasu goningumi
Uwasa no musume
1936 Tochuken Kumoemon
Kimi to yuku michi
Asa no namikimichi
1937 Nyonin aishu
Nadare
Kafuku zempen
Kafuku kôhen
1938 Tsuruhachi Tsurujirō
1939 Hatarakku ikka
Magokoro
Filmes dos anos 1940
1940 Tabi yakusha
1941 Natsukashi no kao
Shanhai no tsuki Imagens incompletas sobreviveram
Hideko no shashō-san
1942 Haha wa shinazu
1943 Uta andon
1944 Tanoshiki kana jinsei
Shibaido
1945 Shori no hi made Perdido
Sanjusangendo toshiya monogatari
1946 Urashima Taro no koei
Ore mo omae mo
1947 Wakare mo tanoshi Parte da antologia Yottsu no kai no monogatari
Haru no mezame
1949 Furyo shojo Perdido
Filmes dos anos 1950
1950 Ishinaka sensei gyōjōki
Ikari no machi
Shiroi yaju
Bara kassen[31]
1951 Ginza keshō
Maihime
Meshi
1952 Okuni to Gohei
Okaasan
Relâmpago[31]
1953 Fufu
Tsuma
Ani Imoto[31]
1954 Yama no Oto
Bangiku
1955 Nuvens Flutuantes
Kuchizuke Parte da antologia Onna Doshi
1956 Shuu
Tsuma no kokoro
Nagareru
1957 Arakure
1958 Anzukko
Nuvens de Verão Primeiro filme colorido de Naruse
1959 Kotan no kuchibue Filme colorido
Films in the 1960s
1960 Onna ga kaidan o agaru toki
Filhas, Esposas e uma Mãe Filme colorido
Yoru no nagare Filme colorido. Co-dirigido com Yuzo Kawashima
A Chegada fo Outono
1961 Tsuma toshite onna toshite Filme colorido
1962 Onna no za
Hōrōki
1963 Onna no rekishi
1964 Tormento
1966 Onna no naka ni iru tanin
Hikinige
1967 Nuvens Dispersas Filme colorido

Referências

  1. a b «成瀬 巳喜男». Kotobank (em japonês). Consultado em 9 de outubro de 2022 
  2. «成瀬巳喜男». Kinenote (em japonês). Consultado em 9 de outubro de 2022 
  3. «成瀬巳喜男». Japanese Movie Database (em japonês). Consultado em 9 de outubro de 2022 
  4. Richie, Donald (2005). A Hundred Years of Japanese Film Revis ed. Tokyo, New York, London: Kodansha International. ISBN 978-4-7700-2995-9 
  5. a b c d e «The best Japanese film of every year – from 1925 to now at the British Film Institute website». Consultado em 4 de janeiro de 2021 
  6. a b c d e f g h Jacoby, Alexander (2008). A Critical Handbook of Japanese Film Directors. Berkeley, California: Stone Bridge Press. pp. 268–273. ISBN 978-1-933330-53-2 
  7. a b c d e f g h i j k l Russell, Catherine (2008). The Cinema of Naruse Mikio: Women and Japanese Modernity. Durham and London: Duke University Press. ISBN 978-0-8223-4290-8 
  8. Sharp, Jasper (2011). Historical Dictionary of Japanese Cinema. [S.l.]: Scarecrow Press 
  9. a b c d e f g h Anderson, Joseph L.; Richie, Donald (1959). The Japanese Film – Art & Industry. Rutland, Vermont and Tokyo: Charles E. Tuttle Company 
  10. Galbraith IV, Stuart (2008). The Toho Studios Story: A History and Complete Filmography. Lanham, Toronto, Plymouth: Scarecrow Press. ISBN 978-0-8108-6004-9 
  11. Fujiwara, Chris (setembro–outubro de 2005). «Mikio Naruse: The Other Women and The View from the Outside». Film Comment. New York. Consultado em 25 de janeiro de 2021 
  12. Kurosawa, Akira (1983). Something Like an Autobiography. New York: Vintage Books. ISBN 0-394-71439-3 
  13. «A dose of reality». The Independent. 29 de junho de 2007 
  14. «Tatsuya Nakadai on When a Woman Ascends the Stairs (1960)» 
  15. «1951 Blue Ribbon Awards» (em japonês). Consultado em 25 de janeiro de 2021. Cópia arquivada em 7 de fevereiro de 2009 
  16. «1951 Mainichi Film Awards» (em japonês). Consultado em 25 de janeiro de 2021 
  17. «1952 Blue Ribbon Awards» (em japonês). Consultado em 25 de janeiro de 2021. Cópia arquivada em 7 de fevereiro de 2009 
  18. «1952 Blue Ribbon Awards» (em japonês). Consultado em 25 de janeiro de 2021. Cópia arquivada em 7 de fevereiro de 2009 
  19. «1954 Blue Ribbon Awards» (em japonês). Consultado em 25 de janeiro de 2021. Cópia arquivada em 7 de fevereiro de 2009 
  20. «1955 Mainichi Film Awards» (em japonês). Consultado em 25 de janeiro de 2021 
  21. Bock, Audie, ed. (1984). Mikio Naruse: A Master of the Japanese cinema. A Retrospective. Chicago: Film Center, School of the Art Institute of Chicago. ISBN 978-0-8655-9067-0 
  22. Shepard, Richard F. (11 de outubro de 1984). «A Retrospective of Films by Naruse». The New York Times. Consultado em 25 de janeiro de 2021 
  23. «Mikio Naruse: A Master of the Japanese Cinema» (PDF). New York: Museum of Modern Art. Setembro de 1985. Consultado em 26 de janeiro de 2021 
  24. «The Films Of Mikio Naruse». BAMPFA. Consultado em 22 de julho de 2023 
  25. «Scattered Clouds: The Films of Nikio Naruse (January 12 - February 18, 2006)». BAMPFA. Consultado em 22 de julho de 2023 
  26. Freiberg, Freda (maio de 2002). «The Materialist Ethic of Mikio Naruse». Senses of Cinema. Consultado em 25 de janeiro de 2021 
  27. «Mikio Naruse: A centennial tribute». Harvard Film Archive. Consultado em 20 de julho de 2023 
  28. «Japanese Movies All Time Best 200 (Kinejun Readers)». mubi.com. Consultado em 25 de janeiro de 2021 
  29. «Kinema Junpo Critics' Top 200». MUBI. Consultado em 8 de outubro de 2022 
  30. «Top 200 - Kinema Junpō (2009)». Sens critique (em francês). Consultado em 22 de julho de 2023 
  31. a b c «Clássicos do Cinema Japonês». Fundação Clóvis Salgado. Consultado em 13 de julho de 2020 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Audie Bock, Mikio Naruse : un maître du cinéma japonais - introduction à l'œuvre et filmographie commentée
  • Jean Narboni, Mikio Naruse. Les temps incertains, Cahiers du cinéma, 2006 ISBN 286642283X, 978-2866422837
  • André Scala, « Naruse et quelques Hollandais », Cahiers du cinéma, n°466