Usucapião – Wikipédia, a enciclopédia livre
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A usucapião (do latim usucapio: "adquirir pelo uso"; [nota 1]) é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade sobre um bem móvel ou imóvel em função de haver utilizado tal bem por determinado lapso temporal, contínua e incontestadamente, como se fosse o real proprietário desse bem.
Para que tal direito seja reconhecido, é necessário que sejam atendidos determinados pré-requisitos previstos em lei.
Conceituações na legislação brasileira
[editar | editar código-fonte]Na legislação brasileira, a usucapião está prevista principalmente no Código Civil Brasileiro e na Constituição da República Federativa do Brasil.[nota 2] Os pré-requisitos básicos para a aquisição do direito são:
- A posse, por um determinado lapso de tempo, do bem móvel ou imóvel; e
- Que a posse seja contínua e ininterrupta.
Usucapião de bens imóveis
[editar | editar código-fonte]A doutrina jurídica brasileira identifica três modalidades de usucapião de bens imóveis, previstas na legislação:
- Usucapião ordinária;
- Usucapião extraordinária; e
- Usucapião especial.
Ordinária
[editar | editar código-fonte]Prevista no Código Civil,[nota 3] a usucapião ordinária depende de justo título e de boa-fé. Ela é caracterizada pela posse que, cumulativamente, ocorra:
- De maneira mansa e pacífica, ou seja, quando não há qualquer ação judicial que questione o direito de posse do bem almejado;
- Ininterruptamente, ou seja, quando aquele que deseja possuir a propriedade de determinado bem permanece continuamente na posse do mesmo pelo tempo exigido em lei;
- Sem oposição do proprietário; e
- Por prazo igual ou superior a dez anos.
O prazo será reduzido de dez para cinco anos quando, comprovadamente, o possuidor houver adquirido o imóvel onerosamente, com registro cartorário da posse posteriormente cancelado pelo vendedor, e:
- O possuidor houver realizado, no imóvel, investimentos de interesse econômico e social; ou
- O possuidor houver estabelecido, no imóvel, a sua moradia habitual.
Extraordinária
[editar | editar código-fonte]Prevista no Código Civil,[nota 4] a usucapião extraordinária independe de justo título ou de boa-fé. É caracterizada pela posse que, cumulativamente, ocorra:
- Posse com ânimo de dono;
- Posse justa (não violenta, clandestina ou precária) e sem oposição — de maneira mansa e pacífica.
- Ininterruptamente (continuamente); e
- Por prazo igual ou superior a quinze anos.
O prazo será reduzido de quinze para dez anos quando o possuidor houver, comprovadamente:
- Estabelecido, no imóvel, a sua moradia habitual; ou
- Realizado, no imóvel, obras ou serviços de caráter produtivo.
Nessa modalidade, é possível requerer ao juiz que a usucapião ocorra por sentença declaratória, o que posteriormente poderá servir de título para o registro da propriedade (ou de outro direito real) no Cartório de Registro de Imóveis.
Especial
[editar | editar código-fonte]Espécie de usucapião baseada na ideia da função social da propriedade, em conformidade com o inciso XXIII, do artigo 5.º, da Constituição Federal de 1988[38].
É dividida em duas subespécies: a usucapião especial rural e a usucapião especial urbana.
Como leciona Caio Mário da Silva Pereira[39]:
"As características fundamentais desta categoria especial de usucapião baseiam-se no seu caráter social. não basta que o usucapiente tenha a posse associada ao tempo. Requer-se, mais, que faça da gleba ocupada a sua morada e torne produtiva pelo seu trabalho ou seu cultivo direto, garantindo desta sorte a subsistência da família, e concorrendo para o progresso social e econômico".
Urbana
[editar | editar código-fonte]A usucapião especial urbana é subdividida em duas modalidades: individual e coletiva.
Individual
[editar | editar código-fonte]A usucapião urbana individual ocorre somente no caso de imóveis urbanos com área de até 250 metros quadrados. É necessário que o imóvel tenha sido ocupado para si próprio ou para abrigo de sua família e, ainda, que o indivíduo tenha tratado o imóvel como se dono fosse. Não há exigência de justo título e presume-se a boa-fé, mas é exigido que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural, e que a posse tenha ocorrido:
- De maneira mansa e pacífica;
- Ininterruptamente (continuamente);
- Sem oposição do proprietário; e
- Por prazo igual ou superior a cinco anos.
Individual por abandono de lar
Esta é uma nova modalidade de usucapião especial urbana individual. Ela incide sobre o imóvel que seja usado como lar de um casal de cônjuges ou companheiros, com ou sem filhos, mas que posteriormente seja abandonado por um dos cônjuges/companheiros e o outro cônjuge/companheiro permaneça no imóvel.
Essa usucapião foi incluída no Código Civil[nota 5] em 16 de junho de 2011 e, para que o cônjuge/companheiro que permaneceu no imóvel faça jus a essa usucapião, é necessário que a posse do imóvel aconteça:
- De maneira mansa e pacífica;
- Ininterruptamente (continuamente);
- Com exclusividade, ou seja: sem que o ex-cônjuge, ex-companheiro ou outra pessoa compartilhe a propriedade do imóvel com o cônjuge/companheiro que permaneceu no imóvel;
- Sem oposição do ex-cônjuge/companheiro; e
- Por prazo igual ou superior a dois anos.
Coletiva
[editar | editar código-fonte]A usucapião urbana coletiva, prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade,[nota 6] ocorre somente no caso de imóveis urbanos com área superior a 250 metros quadrados. É necessário que o imóvel tenha sido ocupado por uma população de indivíduos de baixa renda, como se donos fossem, sem que seja possível identificar as respectivas áreas de cada possuidor, tendo todos destinado o imóvel para moradia deles e/ou de suas famílias. Não há exigência de justo título e presume-se a boa-fé, mas é exigido que os possuidores não sejam proprietários de outros imóveis, urbanos ou rurais, e que a posse ocorra:
- De maneira mansa e pacífica;
- Ininterruptamente (continuamente);
- Sem oposição do proprietário; e
- Por prazo igual ou superior a cinco anos.
Rural
[editar | editar código-fonte]Com previsão legal na Lei da Usucapião Especial Rural,[5] alterada posteriormente pelo artigo nº 191 da Constituição Federal de 1988,[1] que por sua vez foi replicado pelo artigo nº 1.239 do Código Civil Brasileiro,[2] essa modalidade de usucapião permite a aquisição por quem, mediante processo judicial e não sendo proprietário de outro imóvel rural ou urbano, possua, como se dono fosse, por cinco anos ininterruptos e sem oposição do proprietário, área rural de terra não superior a 50 hectares,[nota 7] desde que nela produza por seu trabalho ou de sua família e nela tenha sua moradia. Não há exigência de justo título e presume-se a boa-fé.
Usucapião de bens móveis
[editar | editar código-fonte]Existem duas modalidades de usucapião de bens móveis.
É importante lembrar que à usucapião das coisas móveis também se aplica o disposto nos artigos 1.243 e 1.244 do Código Civil Brasileiro.[2] Portanto, o indivíduo que solicita a posse de um bem móvel pode:
- Acrescentar a posse dos seus antecessores à sua posse, para efeito de cômputo temporal, contanto que todas as posses tenham ocorrido de maneira contínua e pacífica; e
- Também ser futuramente sujeitado à aplicação da usucapião, pois o novo dono está tão sujeito à usucapião quanto esteve o primeiro dono.
Ordinária
[editar | editar código-fonte]Prevista no Código Civil,[nota 8] a usucapião ordinária depende de justo título e de boa-fé. Ela é caracterizada pela posse de bem móvel que, cumulativamente, ocorra:
- De maneira incontestável;
- Ininterruptamente (continuamente); e
- Por prazo igual ou superior a 3 anos.
Extraordinária
[editar | editar código-fonte]Prevista no Código Civil,[nota 9] a usucapião extraordinária independe de justo título e de boa-fé. Ela é caracterizada pela posse de bem móvel que, cumulativamente, ocorra:
- De maneira incontestável;
- Ininterruptamente (continuamente); e
- Por prazo igual ou superior a 5 anos.
Extrajudicial
[editar | editar código-fonte]Com a alteração no Código de Processo Civil (CPC) Brasileiro, que passa a vigorar em 2016, passou a se permitir a usucapião extrajudicial ou administrativo, ou seja, fora da Justiça, em cartório[6].
Conceituações na legislação portuguesa
[editar | editar código-fonte]Na legislação portuguesa, a usucapião encontra-se normatizada no Código Civil Português.[nota 10] Princípios básicos para a aquisição do direito à usucapião:
- É necessária a permanência no imóvel por no mínimo 5 anos, ou a posse do bem móvel por no mínimo 2 anos;
- Quando a posse for de boa-fé, o lapso de tempo necessário à aquisição do direito será menor; e
- Nenhuma posse violenta ou oculta terá seu lapso de tempo computado.
Quanto à organização dos temas:
- As disposições gerais referentes à usucapião são tratadas nos artigos 1.287 a 1.292 do Código Civil Português.
- A usucapião de bens imóveis é tratada nos artigos 1.293 a 1.297; e
- A usucapião de bens móveis é tratada nos artigos 1.298 a 1.300.
Embora a usucapião não esteja claramente definida na Constituição da República Portuguesa,[8] o Código Civil Português, ao tratar da usucapião e suas modalidades, procura atender às diretrizes e aos princípios preconizados pelos arts. 62 ("Direito de propriedade privada") e 65 ("Habitação e urbanismo") da Constituição Portuguesa.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Notas
- ↑ palavra do gênero feminino, mas que em português, apesar da controvérsia, é classificado como substantivo de dois gêneros pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa[1], da Academia Brasileira de Letras
- ↑ Está previsto o direito à aquisição de direitos reais, entre eles o de propriedade, para bens móveis e imóveis, porém os imóveis públicos não são suscetíveis de aquisição da propriedade, embora outros direitos reais sejam possíveis. Vide o §3º do art. 183 e o parágrafo único do art. 191, tudo da Constituição Federal,[1] o art. 102 do Código Civil[2] e a Súmula nº 340[3] do Supremo Tribunal Federal.
- ↑ Vide o art. 1.242 do Código Civil.[2]
- ↑ Vide o art. 1.238 do Código Civil.[2]
- ↑ Vide o art. 1.240-A do Código Civil.[2]
- ↑ Vide o art. 183 da Constituição Federal[1] e art. 10 do Estatuto da Cidade.[4]
- ↑ Anteriormente eram 25 hectares. Vide o art. 1º da lei 6969/81.[5]
- ↑ Vide o art. 1.260 do Código Civil.[2]
- ↑ Vide o art. 1.261 do Código Civil.[2]
- ↑ Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966.[7]
Referências
- ↑ a b c BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Acesso em 3 de novembro de 2013.
- ↑ a b c d e f g h BRASIL. Código Civil - Lei Federal Ordinária nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Acesso em 3 de novembro de 2013.
- ↑ BRASIL. STF. Súmula nº 340, de 13 de dezembro de 1963. Acesso em 3 de novembro de 2013.
- ↑ BRASIL. Estatuto da Cidade - Lei Federal Ordinária nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Acesso em 3 de novembro de 2013.
- ↑ a b BRASIL. Lei da Usucapião Especial Rural - Lei Federal Ordinária nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981. Acesso em 3 de novembro de 2013.
- ↑ «Usucapião em cartório - Advogado em Fortaleza». Advogados em Fortaleza | Alcântara Advogados Associados. Consultado em 28 de outubro de 2015
- ↑ PORTUGAL. Código Civil Português. Acesso em 3 de novembro de 2013.
- ↑ PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Acesso em 3 de novembro de 2013.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- VENOSA, Sílvio de Salvo (2006), Direito civil: direitos reais, ISBN 85-2244280-0 6a ed. , São Paulo: Atlas.
- DINIZ, Maria Helena (2008), Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, pp. 317–8.