Romance da Barca Bela – Wikipédia, a enciclopédia livre

Vinde ver a barca nova, que se vai deitar ao mar;
Nossa Senhora vai dentro, os anjinhos a remar,
São José vai por piloto, Nosso Senhor por general;
Arrearam-se as bandeiras, viva o rei de Portugal!

Versão recolhida no Minho por Teófilo Braga, in Cancioneiro Popular[1]

"Barca Bela" (alternativamente, em castelhano, "La galera de Cristo" ou "La galera de la Virgen") é um romance religioso ibérico do século XV.

Menino Jesus e a Barca da Salvação (c. 1600) arte do Império Mogol.

Na sua origem, "Barca Bela" seria uma adaptação "ao divino" de um outro romance profano do renascimento ibérico chamado "Conde Arnaldos"[2] que, por sua vez, deverá ter sido elaborado na primeira metade do século XV.[3]

O romance "ao divino" já deveria ser bem conhecido do povo português entre o final do século XV e o início do século seguinte, uma vez que Gil Vicente, em 1518, escreve o Auto da Barca do Purgatório que inclui uma adaptação de "Barca bela" com o incipit "Remando vão remadores".[2] Conseguiu sobreviver até à modernidade, embora frequentemente fragmentado, e está presente no folclore português, brasileiro e galego.

A primeira recolha deste romance foi efetuada por Almeida Garrett em 1843.[4]

Durante o período do Estado Novo, a publicação da "Barca Bela" num manual escolar chamado Livro de Leitura da 3.ª Classe "corrompeu" muitas das versões coligidas posteriormente em Portugal.[2]

O tema da letra do romance é a alegoria da "Barca da Fé"[2]. Numa parte inicial é listada a tripulação da barca caída do Céu: leva Nossa Senhora, São José como piloto, Jesus como general e anjos como remeiros. De seguida, ergue-se uma tempestade que a intervenção divina não permite que danifique a embarcação.[2]

Em Portugal "Barca bela" existe na cultura popular não só na forma de poesia recitada mas também em adaptações musicais cantadas nas tradicionais Reisadas[2]. Destas destaca-se "Vamos ver a barca nova" originária do Douro Litoral, mais precisamente de Resende e harmonizada pelo compositor português Fernando Lopes-Graça para a sua obra "Três Cantos dos Reis"[5]:

Vamos ver a barca nova que fizeram os pastores,
Nossa Senhora vai nela, os anjos são guiadores.
Vamos dar a espedida, ela dada vou-me embora,
Que se está fazendo tarde para quem tão longe mora.
A espedida seja dada, dada seja a espedida,
Estes reis que aqui nos deram no céu seja agradecida!

Uma outra composição derivada deste romance é o fado de Manuel Fria "Além vem a barca bela"[6].

O romance terá chegado ao Brasil através dos colonos portugueses. Os fragmentos do poema fazem parte da cantiga de roda "Vamos, Maninha"[2]:

Vamos, maninha, vamos, lá na praia passear.
Vamos ver a barca nova que do céu caiu no mar!
Nossa Senhora está dentro, os anjinhos a remar.
Rema, rema, remador, que este barco é do Senhor!

Na Galiza os versos são incorporados na tradicional "Chula da Guía":

Nosa Señora da Guía, guía ós homes do mar.
Veña ver a barca vela que se vai deitar no mar.
Nosa Señora vai dentro, os anxiños a remar.
[7]

Ligações externas

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Referências

  1. Braga, Teófilo (1867). Cancioneiro Popular. Colligido da Tradição. Coimbra: Imprensa da Universidade. p. 171. 223 páginas 
  2. a b c d e f g Fontes, Manuel de Costa (2000). «6». Gil Vicente's Remando Vão Remadores and Barca Bela (em inglês) 1 ed. Nova Iorque: State University of New York. p. 93 
  3. Durán, Agustín (1877). Romancero general. ó Coleccion de romances castellanos anteriores al siglo XVIII (em espanhol) 1 ed. Madrid: M. Rivadeneyra. p. 153. 598 páginas 
  4. Sandra Boto. "Os primeiros romances religiosos portugueses [...]" (pdf) (Português). 1. Universidade Nova de Lisboa.
  5. Manuela Paraíso (28 de novembro de 2012). «Fernando Lopes-Graça e as harmonizações de melodias populares portuguesas de Natal». Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. Consultado em 21 de outubro de 2015 
  6. José Fernandes Castro. «Além vem a barca bela». Consultado em 21 de outubro de 2015 
  7. «A Nosa Señora da Guía» (em galego). Asociación de escritoras e escritores en lingua galega. 2012. Consultado em 21 de outubro de 2015